domingo, 18 de outubro de 2009

EDUCAÇÃO: CONCEPÇÃO PESSOAL

EDUCAÇÃO: CONCEPÇÃO PESSOAL


Já vai longe aquela manhã, em que aos sete anos, saí de casa no bairro Chácara das Pedras e dirigi-me, levado pelas mãos de minha mãe, para o Grupo Escolar Mon. Senhor Leopoldo Hoffmann, onde minutos depois, já dentro de minha primeira sala de aula, estaria entrando para o mundo dos estudos, dos conhecimentos e de onde extrairia a bagagem que me acompanha em viagens rumo ao futuro de minha existência. Passou-se de lá, mais de quarenta e seis anos e hoje, como aluno do terceiro nível da graduação, do curso de Pedagogia, da PUCRS, sinto em muitos momentos, a mesma emoção e expectativa frente ao novo, que me tomaram naqueles tempos. Creio que minha visão sobre o tema, transformou-se muito e a compreensão de seu contexto em nossas vidas, criaram formas objetivas e concretas, levando-me a refletir sobre os caminhos que trilhei dentro do processo educacional.
De modo muito particular, penso que todos os prós e os contras, atrelam-se ao desenvolvimento político, verdadeiro articulador desse processo. O Brasil vive um momento de turbulências, instabilidades e desconfiança no que se refere aos seus rumos políticos e isso faz reflexo em todos os campos sociais, principalmente aos relacionados às áreas da Educação, Saúde, Segurança e Economia. Na Educação, temos notado ao longo dos anos um absoluto descaso e despreparo por parte daqueles a quem foi dada a incumbência de sua administração, seja por incompetência, desinteresse e (ou) até mesmo desonestidade no trato com as coisas públicas. Os tecnocratas preocupam-se mais em mostrar números às entidades internacionais, como FMI, por exemplo, a se deterem em nossas reais necessidades, deixando de lado questões relevantes, como capacitação, preparo ao mercado de trabalho, condições para o exercício da profissão e remunerações justas e adequadas. Aos professores cabem as culpas, os ranços de pais desinformados e stressados por seus problemas pessoais e profissionais, sendo que os méritos de uma condução adequada, ao existirem, são tratados como uma espécie de obrigação destes, sem considerar a dificuldade em propor esta Educação, por inexistência de condições e ferramentas adequadas ao seu melhor desempenho.
Os governos, em todos seus níveis, Municipal, Estadual e Federal, uns mais, outros menos, criam propostas, projetos, utilizam seus recursos em favor do que defendem, porém o fazem, na relação com a Educação, de uma maneira autoritária, sem consultas prévias a entidades, ou pessoas ligadas a esta área, criando assim um espaço discrepante nessa formatação. Houvesse um critério rígido e positivo na construção dos saberes de crianças que anseiam e põem em nossas mãos, seus futuros, suas vidas. Inocentes e esperançosos de que possamos colocar diante delas, um mundo melhor, com justiça, oportunidades e nivelamentos que permitam a integração das minorias com o ensino e mercado de trabalho, depositam em nós as realizações de seus sonhos.
Concluindo, acredito que a saúde da Educação está em mãos de curandeiros, enquanto sua cura depende do trabalho de especialistas, cirurgiões, mãos hábeis no sentido de extrair todo um organismo comprometido, necrosado estruturalmente e substituí-los por outros com maior poder de mobilidade e relação com os mecanismos e ferramentas favoráveis a uma nova concepção de Educação. Uma que coloque o ser humano realmente em primeiro lugar, porque se numa comunidade, atuam em conjunto, pais, professores, alunos, funcionários, moradores, comerciantes, enfim, todo o membro desta comunidade, interagindo de forma positiva nessa arquitetura; certamente,muitas situações se transformariam em soluções, práticas e baratas, soluções definitivas.
Cabe aos governos promover esta integração social e administrá-la de modo que esta cumpra suas exigências e seus propósitos. Não entrei aqui, no mérito das responsabilidades que após esta reestruturação de base poderia vir a ofertar, mas sei que abrindo um novo espaço, este prontamente se preencheria de novas funções e buscas a caminhos que nos levem ao objetivo maior que sempre será o bem estar e a construção de um mundo melhor para todas as crianças e não para apenas algumas melhores favorecidas.
Aquele menino daquela manhã, hoje um homem de meia idade, são a mesma pessoa e a Educação parece ser a mesma daqueles tempos. Mas e toda a tecnologia que proporcionou esta gigantesca transformação que este tempo testemunhou, de quem ela esta a serviço. De que adianta o computador para aprendermos a tabuada, a fazer continhas e decorar o ABC, será essa a verdadeira evolução ?


TURMA 127
JORGE ANTONIO MANSUR SAPAG

IGREJA, EDUCAÇÃO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL

IGREJA, EDUCAÇÃO E ESCRAVIDÃO
NO BRASIL COLONIAL
Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro *
RESUMO:
A partir de uma perspectiva de longa duração acerca da “História do Brasil Colonial”, refletimos
sobre algumas peculiaridades das idéias pedagógicas dominantes – e da literatura a elas pertinente
como catecismos, cartilhas e manuais escolares –, reveladoras da mentalidade, da cultura e,
sobretudo, de modalidades de educação escolar ministradas no período colonial, nas terras do
Brasil. Os catecismos destinavam-se ao propósito evangelizador de ensinamentos cristãos. As
cartilhas e manuais escolares destinavam-se aos ensinamentos e à aprendizagem das primeiras
letras, da aritmética e, acima de tudo, da religião católica. Refletimos, prevalentemente, sobre os
Exercícios Espirituais, as Constituições da Companhia de Jesus e a Ratio Atque
Institutio Studiorum Societatis Iesu, correlacionando estes documentos com os caminhos
que a Companhia seguiu, desde Inácio de Loyola até a supressão da Ordem em 1773, e a
influência desses documentos na proposta educacional dos Jesuítas.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil Colonial. Cartilhas. Catecismos. Educação Jesuítica.
INTRODUÇÃO
Conhecer a educação no Brasil colonial significa conhecer, além dos
aspectos econômicos, políticos, administrativos, sociais, culturais e religiosos, o
pensamento pedagógico e a ação educativa daquele período. Mais do que isso,
Politeia: Hist. e Soc. Vitória da Conquista v. 7 n. 1 p. 85-102 2007
* Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Doutora em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (Ufba). E-mail: apcasimiro@bol.com.br; casimiro@uesb.br.
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significa ir buscar na Península Ibérica e em Portugal medieval e renascentista
as suas origens e destacar as especificidades do espaço colonizado, desde os
primórdios, com formas de cultura nativa e africana.
Essa parte da história da educação brasileira começa com a chegada
dos primeiros jesuítas, em 1549, e termina com a chegada de D. João VI
ao Brasil, em 1808. Salvaguardadas algumas diferenças, pressupõe fases
cronológicas correlacionadas intimamente com os acontecimentos da
metrópole. Devemos levar em conta o modo como se constituiu o sistema
social, tanto em Portugal como em suas colônias, em uma época em que todas
as decisões de caráter religioso dependiam do rei em virtude do instituto do
“Padroado”,1 que conferia ao monarca o lugar de chefe da Igreja. O direito
do Padroado identificou-se com os “direitos” de conquista, determinando o
caráter evangelizador e colonizador do Brasil e direcionando o modelo cultural
e educacional. Logo, como parte mais importante da sociedade colonial,
obrigando, punindo, doutrinando e educando, estiveram, sempre, agentes da
religião católica, que permeavam todas as camadas sociais e infiltravam-se na
vida material e espiritual do povo, de forma obrigatória e com justificativas
legais, políticas e espirituais.
Pela diversidade de aspectos que envolvem o tema ora proposto,
poderíamos dividir os enfoques da Educação colonial de várias maneiras:
primeiramente, por ordem cronológica: a) chegada e instalação das primeiras
ordens religiosas, no século XVI, período do qual cabe destacar os propósitos
dos jesuítas, de ensinar aos pequenos índios tanto as primeiras letras e o
Evangelho como rudimentos do ensino profissional;2 b) instalação das
ordens, no século XVII, principalmente da Companhia de Jesus que resultou
na construção dos primeiros colégios e na consolidação de um modelo
educacional; c) instalação de missões, cujo intuito, além da propagação da fé, era
o de garantir a posse da terra conquistada; d) o século XVIII, que testemunhou
o apogeu da organização dos jesuítas no início do século, suas vicissitudes,
sua expulsão no último quartel e, depois, a implantação de um novo modelo
cultural, que sobreviveu até o início do século XIX.
1 O direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao rei de Portugal, concedida pelos papas,
uma das quais uniu perpetuamente a coroa portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A
partir de então, o rei passou a ser, também, o patrono e protetor da Igreja, com as obrigações e deveres de
zelar pelas leis da Igreja; enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; sustentar a Igreja
nestas terras. O rei tinha também direitos decorrentes do Padroado como arrecadar dízimos e apresentar
candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um poder político muito grande, pois,
nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele (Fragoso, 2000, p.14).
2 Cf. Mattos (1958) e Leite (1938).
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Um segundo enfoque da educação colonial pode tomar como referência
os habitantes da colônia: a) os brancos, portugueses, filhos da elite, eram alvo
de uma educação formal, longa e diversificada, preparatória para o poder e/
ou para a vida eclesiástica. Essa educação era ministrada nos colégios, nos
seminários e na Universidade de Coimbra. Baseava-se em gramática, filosofia,
humanidades e artes, e completava-se com o estudo de cânones e da teologia.
Outros portugueses, pertencentes aos segmentos restritos das classes populares,
tinham acesso apenas aos rudimentos escolares: isto é, ler, escrever e contar; b)
para os índios e mestiços, a educação era ministrada nas missões, nos engenhos
e nas igrejas. A estes ensinava-se, precariamente, o catecismo preparatório
para o batismo, para a vida cristã, além de ofícios e tarefas servis que, naquele
tempo, por serem consideradas desonrosas, não podiam ser executadas pelos
brancos; c) os colonizadores desenvolveram, também, pedagogias para tratar
da educação/evangelização dos escravos. Ao lado disso, encetaram campanhas
pela humanização da escravidão e participaram da elaboração de leis canônicas
que garantissem tanto a evangelização dos escravos negros, como as normas
que deveriam direcionar o seu trato pelos patrões (Casimiro, 2002).
Ao lado dessas formas de educação, desenvolvidas nos colégios, missões
e senzalas, para o caso das mulheres, algumas ordens femininas começaram
a surgir no Brasil, principalmente a partir do século XVII. As primeiras
franciscanas (clarissas enclausuradas) chegaram à Baía de Todos os Santos no
dia 29 de abril de 1677 e, pouco tempo depois, construíram o Convento de
Santa Clara do Desterro em Salvador (Nascimento, 1994). Embora tivessem
chegado somente na segunda metade do século XVII, desde o final do século
XVI as famílias baianas já rogavam ao rei que mandassem freiras para fundarem
conventos e internatos para as suas filhas.
Ao lado do ensino formal, instituído pela Igreja e/ou pelo Estado,
a Colônia comportava um número significativo de pessoas que não se
enquadravam em nenhumas das categorias acima descritas, ou seja, indivíduos
que eram “desclassificados”.3 Faziam parte de uma realidade composta de filhos
de escravos domésticos, órfãos, crianças abandonadas, filhos ilegítimos (inclusive
filhos de padres), mestiços, negros alforriados etc., para os quais havia formas
de educação distantes do padrão vigente. Muitas dessas pessoas conseguiram
trabalho como aprendizes de oficiais mecânicos instalados e no comércio e,
3 Estudando a região mineradora no século XVIII, Laura de Mello e Souza (1982) introduz o conceito de
“desclassificados” para se referir aos que ficavam à margem da sociedade naquela época.
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no caso das mulheres, muitas aprendiam ofícios domésticos e engrossavam os
exércitos de doceiras, lavadeiras e quitandeiras que perambulavam pelas cidades
da Colônia. Devemos lembrar, ainda, a educação religiosa ministrada nos
conventos,4 irmandades, ordens terceiras,5 engenhos e paróquias. Essa educação
era severa e obrigatória. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,
promulgadas em 1707, dedicam boa parte de seu Livro I a esta matéria, assim
como às regras e aos termos de compromisso de cada ordem, seus regimentos
e estatutos (Casimiro, 1996).
Além da Companhia de Jesus, outras ordens religiosas também foram
responsáveis por segmentos da educação colonial, como as ordens dos
carmelitas, mercedários e franciscanos. Além da formação dos seus próprios
quadros (nos conventos), essas ordens tinham sob sua responsabilidade
inúmeras missões, o ensino de primeiras letras e obras de catequese por
todo o Brasil (Jaboatão, 1859; Fragoso, 1992). Mas a Companhia de Jesus
conquistou mais segmentos do espaço colonial do que as demais ordens e,
com uma organização escolar mais “eficiente”, além de liderar o movimento
missionário, teve colégios espalhados por todo o Brasil e atuou por duzentos
e dez anos, até a sua expulsão em 1759. Ao lado da educação nos colégios, os
jesuítas desenvolveram um trabalho missionário consistente e duradouro por
todo o Brasil, principalmente nas regiões de fronteira (Fragoso, 1992).
Na metade do século XVIII, algumas obras inovadoras surgiram no
campo pedagógico português, como Apontamentos para a Educação de um
Menino Nobre (1734), de Martinho de Mendonça Pina e Proença e, nove anos
depois, O Verdadeiro Método de Estudar (1743), de Luís António Verney
(Fernandes, 1978, p. 69), com visíveis influências para a educação colonial.
Esses novos pensamentos pedagógicos foram, aos poucos, substituindo as
idéias escolásticas. Destacam-se, já na administração pombalina, as Cartas
sobre a Educação da Mocidade (1759), de António Nunes Ribeiro Sanches,
notadamente iluminista.
No Governo de D. José I e com a força política do seu principal ministro,
o Marquês de Pombal, Portugal se viu bafejado por ventos iluministas que
redundaram na expulsão dos jesuítas do Império Português, o que, segundo
4 Estatutos da Província de Santo Antônio do Brasil. Lisboa, Na Officina de Manuel e Joseph Lopes
Ferreira. 1709.
5 Regimento Administrativo da Venerável Ordem Terceira de Nosso Seráphico Padre S. Francisco da Cidade
de Noviços: 1768-1883 (In: Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Bahia).
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Fernandes (1978, p. 69), acabou por favorecer o estabelecimento dos oratorianos.
Nesse contexto, o Alvará Régio de 28 de junho de 1759 criou o cargo de diretor
geral dos estudos, instituiu a prestação de exames para professores e nomeou
comissários destinados a fiscalizar o ensino. Essa substituição abrupta dos
educadores jesuítas acarretou dificuldades, uma vez que “desmantelou-se
toda uma estrutura administrativa de ensino” (Romanell i, 2003, p. 36), mas
não modificou o ensino nas suas bases; pois, além dos jesuítas, havia uma
enorme quantidade de clérigos, formados nos moldes da pedagogia jesuítica,
que continuaram a exercer a docência nas fazendas, nos seminários e foram
recrutados para as aulas régias instituídas pela reforma pombalina.
Com a chegada de D. João VI ao Brasil – sob a proteção da marinha
inglesa – e a abertura dos portos, com a confirmação de privilégios políticos
e comerciais concedidos à Inglaterra, teve início, no Brasil, como salienta
Seco (2004, p. 121), o chamado “século inglês”. A autora mostra a situação
educacional no período colonial, a desorganização advinda com a expulsão
dos jesuítas, a Reforma Pombalina e o estado da educação brasileira no século
XIX e argumenta, por meio do olhar dos viajantes ingleses, que “o processo de
europeização, intensificado com a abertura dos portos, colocou o problema da
educação, ou, melhor dizendo, a sua precariedade ou mesmo sua inexistência”.
Do olhar dos viajantes, Seco extrai opiniões e conselhos. Os estrangeiros
apontam caminhos, tais como fundar associações, organizar mostruários,
comprar livros de ciências, propagar instrução, incrementar a agricultura,
mudar costumes, educar todas as classes. Nos textos analisados por Seco, os
estrangeiros também acusam o Brasil de ser um lugar de incivilidade, falta de
higiene, ignorância geral e, sobre a história e geografia dos outros povos, falta
de livros ou existência de livros defasados, sujeira, imundície, ausência de cultura
e de pouca inteligência (Seco, p. 124), precariedade herdada, certamente, do
mundo colonial.
A COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, em 1549, tiveram que se
adaptar às peculiaridades do panorama tropical, tanto no que diz respeito às
condições físicas e materiais, quanto às características culturais. Essa adaptação
dos jesuítas não aconteceu de maneira muito fácil; pelo contrário, como
atestam os seus documentos epistolares, esses religiosos enfrentaram, desde
o início, dificuldades de toda sorte. Os jesuítas palmilharam todos os espaços
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do território colonial: o campo econômico, pacificando e adestrando a mãode-
obra indígena e negra; a seara política, exercendo forte influência junto à
Coroa Portuguesa e participando das mais importantes decisões políticas e
religiosas da época; as diversas instâncias da vida cultural, veiculando ideologias
literárias, imagéticas e religiosas; e, finalmente, o terreno prático, exercendo o
apostolado missionário, a educação formal e o sermonário religioso, pregado
nos púlpitos das igrejas.
A depender dos bons ventos políticos ou das adversidades que se
abateram sobre a Companhia, muita coisa aconteceu nos caminhos pedagógicos
idealizados por seus líderes. Na Europa, a função religiosa da Companhia de
Jesus foi, sobretudo, o combate aos hereges. A função educativa manteve-se
voltada para a formação dos seus próprios quadros e para a educação dos filhos
da elite. Nos territórios colonizados, a ação evangelizadora dos jesuítas tomou
outro rumo, por causa dos interesses da política econômica sobre as colônias
e da existência da escravidão. Uma linha missionária especial foi desenvolvida
para os redutos missionários (para os índios) e alguns tímidos encaminhamentos
foram pensados para a evangelização dos escravizados africanos.
Grande parte da literatura sobre a ação dos jesuítas na Colônia, afirma
Nagel (1996, p. 24-38), posiciona-se a favor ou contra os fatos, qualificando
moralmente a ação dos padres. Na perspectiva positiva, os jesuítas são vistos
como grandes catequistas, evangelizadores eficientes que despertavam muitas
vocações, bondosos cristãos, opositores da crueldade dos colonizadores,
defensores dos índios ou educadores conscientes que, compreendendo a
realidade dos gentios, amoldavam os ensinamentos à sociedade indígena. Na
perspectiva dos juízos negativos, muitas vezes, as críticas aos jesuítas seguem e
banalizam o modelo anticlericalista dos iluministas.6 Na visão da autora, como
o sujeito do projeto educacional colonial não tinha as características do sujeito
europeu, as condições da existência do ensino escolástico “esboroam-se” e é
substituído, principalmente junto aos índios, por rituais alegres, festas, música,
procissões e teatro, dando um novo significado ao termo de doutrina (que
passa a ser ato de negar a antropofagia, recusar a guerra, eliminar a preguiça
etc.). Doutrinar, neste novo contexto, significaria ensinar – através da fé – a
6 Ainda segundo Nagel (1996, p. 25), “as críticas negativas, [...] apontam, quase sempre, para dois aspectos.
Um identifica nos jesuítas ‘distorções na área afetiva’ tais como: autoritarismo, perversidade, violência,
controle, imposição. Outro identifica uma ‘limitação de ordem cognitiva’ que termina por fazer com que a
educação por eles encaminhada seja vista como fora da realidade do aluno ou da sociedade ‘brasileira’”.
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ter uma vida com normas, e obediência a um superior, sob as coordenadas do
trabalho (Nagel, 1996, p. 36).7
Quando Santo Inácio de Loyola morreu, em 1556, a Companhia, sob
a liderança do seu fundador, já tinha elaborado as suas principais regras de
sobrevivência, que foram as Constituições da Companhia de Jesus (1547-1551) e a
Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (1548-1599). E, em pouco tempo, já
espalhara sua influência teológico-pedagógica nos principais pontos da Europa
e nas colônias portuguesas de além mar. José Manoel Madureira (1929, p. 7)
apresenta um quadro sinóptico da expansão da Companhia de Jesus, desde
1540 até 1750. Esse quadro mostra que, em 1710, o número de jesuítas era de
19.978, distribuídos em 37 províncias e 1 vice-província, 24 casas de profissão,
612 colégios e 24 universidades, 150 seminários, 60 noviciados e 195 residências
de missões. Em 1750, apogeu numérico e véspera da reviravolta pombalina,
havia 22.126 jesuítas, 37 províncias e 1 vice-província, 25 casas de profissão,
578 colégios e 150 seminários.
Ao mesmo tempo em que ia se desdobrando e se multiplicando em
províncias administrativas, a princípio na Europa e, a seguir, por todo o orbe
católico, os jesuítas passavam a ter participação ativa sobre os destinos da
Igreja8 e aumentavam em número os seus colégios e universidades. Ao lado
disso, crescia o número de jesuítas ilustres que compunham seus quadros
e que trabalhavam sistematicamente no combate às heresias e na missão
evangelizadora dos gentios e infiéis. Ao morrer Inácio de Loyola, a Companhia
de Jesus havia alcançado um desenvolvimento extraordinário, o que continuou
a acontecer até a supressão da Ordem, em 1773.9
A maioria dos autores de História da Educação trata do método
jesuítico baseado no rigor escolástico. Podemos mencionar três documentos,
organizados por Inácio de Loyola, que direcionaram, de uma maneira muito
rígida, a metodologia jesuítica encaminhada nos colégios: os Exercícios
Espirituais; a parte IV das Constituições da Companhia de Jesus e a Ratio Atque
7 Concordamos com Lízia Nagel (1996, p. 24-38), e lembramos que os jesuítas, desde a sua chegada,
tiveram, ademais, que vencer as barreiras da língua (aprendendo a língua nativa, elaborando uma linguagem
comum – a língua “geral” – e, posteriormente, ensinando o português, a língua do conquistador) para,
depois, doutrinar.
8 Atuaram na elaboração das disposições do Concílio de Trento, onde se reuniram as maiores autoridades
teológicas daquele tempo, os jesuítas Diogo Laínez, Alfonso Salméron, Nicolau Bobadilha e o português
Simão Rodrigues (Vill oslad; Loorca; Montalban, 1960, p. 825).
9 “A Companhia de Jesus foi supressa pelo Papa Clemente XIV, em 8 de junho de 1773, e restaurada quarenta
e um anos depois pelo Papa Pio VII, em 7 de agosto de 1814” (Bangert, 1985).
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Institutio Studiorum Societatis Iesu.10 Muitos falam das aulas, das disputas, da
censura de autores, das proibições de determinadas obras e/ou trechos de
obras e atestam como os métodos jesuíticos eram rígidos.11 Mas, podemos
dizer que o principal instrumento modelador da pedagogia jesuítica foi
o texto dos Exercícios Espirituais, transmitido por Inácio aos primeiros
companheiros, adotado e disseminado por eles como manual de orientação
espiritual. Inácio define a função dos exercícios na prática espiritual da
seguinte forma:
Por esta expressão, exercícios espirituais, entende-se qualquer modo
de examinar a consciência, de meditar, contemplar, orar vocal ou
mentalmente, e outras atividades espirituais [...] porque, assim como
passear, caminhar, correr, são exercícios corporais, também se chamam
Exercícios Espirituais os diferentes modos de a pessoa se preparar e
dispor para tirar de si todas as afeições desordenadas, e afastando-as,
procurar e encontrar a vontade de Deus, na disposição da própria vida
para o bem da mesma pessoa (apud Klein, 1997, p. 26).
Santo Inácio de Loyola foi eleito pelos companheiros e encarregado de
redigir as Constituições da Companhia de Jesus, concluídas em 1551, fortemente
fundamentadas nos Exercícios Espirituais. Na sua parte IV, intitulada “Como
instruir nas letras e em outros meios de ajudar o próximo e os que permanecerem
na Companhia”, as Constituições tratam da educação escolar e das instituições
educativas. Elas surgiram tanto para assegurar certa uniformidade diante do
crescimento acelerado da Ordem, quanto para atender às exigências específicas
dos diversos ambientes culturais onde os colégios se instalaram, garantindo,
igualmente, que estes não perdessem as características básicas. Os jesuítas
fundam, pois, “colégios e também algumas universidades, onde os que
deram boa conta de si nas casas [de formação inicial] e foram recebidos sem
os conhecimentos doutrinais necessários possam-se instruir-se neles e nos
outros meios de ajudar as almas” (Klein, 1997, p. 27). Na redação do texto,
os jesuítas se serviram das primeiras experiências pedagógicas e dos estatutos
de outras universidades européias. O texto expressa os princípios pedagógicos
jesuíticos de modo ainda geral, com a promessa de ser complementado por
um documento posterior:
10 Cf. Loyola (1952).
11 Cf. Terra (1988), Leite (1938), Carvalho (1996), Klein (1997) e Toledo (2001).
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As horas de aula, com a ordem e o método próprio, os exercícios [...] tudo
isso se indicará em pormenor em tratado à parte aprovado pelo Geral,
ao qual a presente Constituição remete o leitor [...]. Como nos casos
particulares há de haver grande variedade, consoante as circunstâncias
de lugares e de pessoas, não se desce a mais pormenores. Basta dizer
que haja Regras, que se apliquem a todas as necessidades de cada colégio
(apud Klein, 1997, p. 29).
Se as Constituições contêm a essência da missão inaciana e a sua parte IV
contém os princípios pedagógicos inacianos, pode-se dizer que a Ratio Studiorum,
na sua versão definitiva, de 1599, é o conjunto de normas pedagógicas, com
seiscentas regras que vão permitir a prática educativa, religiosa e missionária
daqueles princípios pedagógicos. Mas, a motivação inicial e os propósitos
inacianos dos Exercícios são os mesmos que perpassam os princípios contidos
nas Constituições e a prática recomendada na Ratio Studiorum. A maneira como
foram elaboradas as Constituições e a Ratio garantiram o caráter unitário do modo
de vida jesuítico e permitiram uma flexibilidade e autonomia que possibilitaram
a propagação do apostolado da Companhia por todo o orbe cristão. Esses três
documentos foram as diretrizes que garantiram a uniformidade da prática
pedagógica dos jesuítas em toda a sua caminhada missionária e doutrinária,
com adaptações necessárias, caso se tratasse do Império Português, do combate
aos hereges, da evangelização dos europeus, da catequese dos negros da terra
do Brasil (índios) ou dos africanos escravizados.
A Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Iesu é o documento que trata mais
especificamente das razões da educação da Companhia de Jesus, e influenciou,
sobremaneira, a educação escolar e a pedagogia do mundo inteiro. Seu texto
não explicita uma concepção pedagógica, no sentido de uma sistematização
educacional completa, mas aconselha um ordenamento para as atividades,
funções, metodologias e modos de avaliação na Companhia de Jesus.
As “novidades” pedagógicas da Ratio, afirma Cezar Arnaut de Toledo
(2001), consubstanciadas depois numa prática política e pedagógica de grande
eficácia socioeducacional, contribuíram tanto para o sucesso da Ordem
quanto para a perseguição que sofreram seus membros, e que culminou com
a sua extinção em 1773. Dentre as mais importantes inovações da Ratio, há
que se destacar o planejamento do ensino por metas e objetivos e a avaliação
constante, que se tornaram fatores básicos da educação moderna. Segundo
Toledo (2001, p. 3),
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a razão de estudos é inseparável da razão política. Isso pode ser
verificado ao lermos o texto e o relacionarmos com o momento histórico
em que viveram os primeiros jesuítas. Tal ligação sempre foi de grande
eficácia e produtividade, mesmo que não tenha sido a meta precípua
do ordenamento de estudos.
Ainda segundo o autor, a Ratio Studiorum marcou, indelevelmente,
tanto a educação escolar quanto a pedagogia moderna, dentro do espírito de
transformações do século XVI. A expansão da Companhia de Jesus requeria
militantes da fé católica e deveria ser calcada, também, na grande ênfase dada
à educação e formação de elites intelectuais e políticas nas várias nações. Em
busca de um ordenamento único e planejado do ensino, os jesuítas se puseram
a conceber e elaborar um grande plano geral de estudos. As normas internas
dos colégios já existentes serviram de ponto de partida e inspiração para a
elaboração das primeiras versões do Ordenamento de Estudos. Toledo (2001, p.
3) destaca algumas idéias norteadoras:
Há também, no documento, além de normas para a espiritualidade
dos noviços estudantes, inclusive para a confissão (sacramento de
suma importância para os jesuítas), uma importante referência à mais
comum prática dos superiores jesuítas do período: a documentação das
experiências realizadas [...] Os dois documentos definem o novo rumo
da educação e do ensino, calcados, a partir de então, na documentação
das experiências realizadas e também, no planejamento das atividades
executadas. Nem esses dois textos e nem a própria Ratio Studiorum
indicam ou expressam novos métodos pedagógicos.
Como já foi dito, a Ratio Studiorum não foi uma concepção pedagógica
nem um conjunto de métodos ou técnicas de ensino. Aliás, na visão dos padres
elaboradores do texto, não havia a pretensão de questionarem princípios
pedagógicos, da fé ou da moral. Os princípios deveriam ser exatamente aqueles
que deram origem à Companhia de Jesus, dentro do espírito da contra-Reforma:
reafirmar e expandir a fé católica através de todos os meios, “para a maior
glória de Deus” (Toledo, 2001, p. 5).
A Ratio Studiorum contribuiu grandemente para a formação da prática
pedagógica na Modernidade, como um importante ofício na economia da
salvação. Essa repercussão se fez sentir, também, nas crenças e comportamentos
dos professores das escolas, evidentemente. Um professor, para uma escola como
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essa, deveria ser, também, um exemplo de fé. Esse foi um fator que se estendeu
também a outras concepções pedagógicas modernas e contemporâneas (Toledo,
2001). Podemos dizer, ainda, que a Ratio se constituiu num paradigma importante
para a educação escolar e para a pedagogia até o início do século XX.
PENSAMENTOS PEDAGÓGICOS NO BRASIL COLONIAL
Subjacentes aos currículos e conteúdos permitidos nos colégios e
na catequese, circularam no Brasil colonial e no Império Português idéias
pedagógicas inspiradas na filosofia clássica, no Estoicismo, nas Sagradas
Escrituras, na Patrística, na Escolástica. Essas idéias, baseadas em princípios
do Antigo Testamento e nos ensinamentos cristãos e veiculadas em sermões,
livros de teologia, reflexões morais e manuais doutrinários, autorizados pela
própria Igreja, no desenrolar da história foram sendo ressignificadas e adaptadas
à compreensão e à conveniência de cada tempo e lugar por canonistas, teólogos
e moralistas, comumente chamados doutores da Igreja. Principalmente a partir
de meados do século XVII, e até a primeira metade do século XVIII, estas
idéias passaram a ser difundidas com mais vigor.
Estudiosos da Colônia nomeiam os principais intelectuais orgânicos
que influenciaram e foram influenciados por idéias pedagógicas que, segundo
a nossa interpretação, estavam a serviço de uma pedagogia da dominação.12 E
todos admiram como estes intelectuais foram eficientes, prevalentemente os
jesuítas Antônio Vieira, Jorge Benci e João Antônio Andreoni (conhecido pelo
pseudônimo Antonil); o oratoriano Manuel Bernardes e o Padre Diocesano
Manoel Ribeiro Rocha (Casimiro, 2002).
Desses intelectuais, Jorge Benci, especialmente, sistematizou uma obra
de finalidade estritamente pedagógica, Economia Cristã dos Senhores no
Governo dos Escravos, em função de um problema real, que, certamente,
era um ponto nevrálgico na consciência da Igreja: a existência da escravidão.13
Esta obra vai fundamentar as leis canônicas e as formas de educação religiosa
que vigorarão até o século XIX, quando novos clamores contra a escravidão
ecoarão na alvorada pombalina.
12 Cf. Vainf as (1986), Bosi (1992) e Hugo Fragoso (1992, 2000).
13 Publicada em 1700, a obra continha uma concepção pedagógica elaborada especialmente para atender
às relações entre senhores e escravos no contexto econômico, social, político e religioso colonial. É uma
concepção pedagógica consistente; contém todos os pressupostos que caracterizam uma proposta pedagógica,
ou seja, princípios pedagógicos, missão, pressupostos da aprendizagem, regras, objetivos, conteúdos, métodos
e técnicas, avaliação e normas disciplinares (Casimiro, 2002).
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As idéias morais e teológicas de Benci e dos seus coetâneos, advindas
da Patrística e da Escolástica, influenciaram, sobremaneira, na elaboração
das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707 pelo
Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, e, por uns dois séculos, forneceram
as diretrizes jurídicas, ideológicas, religiosas e pedagógicas para confirmar e
legitimar o sistema de poder imposto pelo Estado Absolutista e pela Igreja.
Organizadas em cinco livros,14 elaborados por peritos sob a presidência
de D. Sebastião Monteiro da Vide, as Constituições baianas se baseiam na tradição
cristã, nos livros da Sagrada Escritura e no Direito Canônico. Dos dezenove
examinadores sinodais nomeados para a sua elaboração, seis eram jesuítas, dois
eram beneditinos, dois eram carmelitas, dois franciscanos, um agostiniano e
um era carmelita descalço. Os cinco restantes eram padres seculares de altas
dignidades eclesiásticas (Vide, 1853, p. 521).
Fica evidenciada, pois, a existência de uma forma de pensamento
pedagógico, vivo e cambiante da Igreja, um pensamento determinado sobre o
tipo de educação pertinente a cada segmento que compunha aquela sociedade.
Nessa dialética, Jorge Benci, principalmente, recebeu influências não só de
Vieira e de outros letrados que clamaram contra a escravidão na Colônia e
preconizaram formas de educação, mas, também, dos mais renomados teólogos
e moralistas em voga naquela época. Por sua vez, Benci influenciou pensamentos
vindouros, como os dos peritos que redigiram as Constituições Primeiras e Manoel
Ribeiro da Rocha, já no contexto iluminista (Rocha, 1992).
CATECISMOS COLONIAIS
Desde a Antigüidade até o início da Idade Moderna notabilizaram-se, em
cada tempo, as catequeses de S. Cirilo, Santo Agostinho e S. Tomás de Aquino,
com catecismos que forneceram o modelo padrão que orientou a evangelização
cristã, com normas para suscitar a fé, administrar os sacramentos e exercitar
a oração: crer, agir e orar (Martins, 1951, p. 20). A partir do século XVI, de
14 O Livro Primeiro trata da fé católica, da doutrina, da denúncia dos hereges, da adoração, do culto, dos
sacramentos; o Livro Segundo trata dos ritos, da missa, da esmola, da guarda dos domingos e dias santos, do
jejum, das proibições canônicas, dos dízimos, primícias e oblações; o Livro Terceiro fala sobre as atitudes e
o comportamento do clero, das indumentárias clericais, das procissões, do cumprimento dos ofícios divinos,
da pregação, do provimento das igrejas, dos livros de registros das paróquias, dos funcionários eclesiásticos,
dos mosteiros e igrejas dos conventos; o Livro Quarto fala das imunidades eclesiásticas, da preservação do
patrimônio da Igreja, das isenções, privilégios e punições dos clérigos, do poder eclesiástico, dos ornamentos
e bens móveis das igrejas, da reverência devida e da profanação de lugares sagrados, da imunidade aos
acoutados, dos testamentos e legados dos clérigos, dos enterros e das sepulturas, dos ofícios pelos defuntos;
o Livro Quinto trata sobre as transgressões (heresias, blasfêmias, feitiçarias, sacrilégio, perjúrio, usura, etc.),
das acusações e das respectivas penas (excomunhão, suspensões, prisão etc.).
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acordo com as ordens tridentinas, elaborou-se o Catecismo Romano, cujo modelo
inspirador foi o manual pastoral trabalhado pelos jesuítas S. Pedro Canísio,
Edmundo Auger e Cardeal Roberto Belarmino.
Em Portugal, a Doutrina Cristã do jesuíta Marcos Jorge foi composta a
pedido do Cardeal D. Henrique, tratando sumariamente dos seguintes pontos:
Sois cristãos? Que quer dizer cristão? Sinal do cristão, Pater-noster, Ave-Maria,
Salve Rainha, Credo, artigos da Fé, Mandamentos de Deus, Mandamentos da
Igreja, sete pecados capitais, Sacramentos, boas obras, oração, jejum, esmola,
as obras de misericórdia, as virtudes teologais, os dons do Espírito Santo, as
bem-aventuranças, os conselhos evangélicos, o modo de ajudar a missa, orações,
e bênção de mesa (Martins, 1951, p. 21).
Poucos anos depois da primeira edição, os jesuítas introduziram o
Catecismo de Marcos Jorge no Brasil e, em 1574, o Padre Leonardo Vale, S. J.,
trasladou-o para o tupi. Como se pode observar, a maior parte dos religiosos
envolvidos na elaboração do Catecismo Romano pertenceu à Companhia de Jesus
(Martins, 1951, p. 20-21). Em 1559, saiu em Portugal a primeira edição do
Compêndio de Doutrina Cristã, de Frei Luís de Granada, versando sobre o Símbolo
(o Credo), os Mandamentos, a oração, a graça, as obras que acompanham a
oração, os Sacramentos etc.
Os primeiros catecismos da América são anteriores ou contemporâneos aos
de Lutero, S. Pedro Canísio e Cardeal Belarmino. Segundo Martins (1951, p. 25):
desde logo se fez sentir a falta de manuais apropriados para a
catequização dos infiéis. Sem perda de tempo, fizeram os missionários
cartilhas ou cartinhas. Em parte, adotavam e reduziam a matéria dos
catecismos europeus. Na América, circulavam exemplares copiados à
mão, e nem todos os catecismos chegaram a ser impressos.
A necessidade de um manual de instrução para padres, leigos, crianças e
infiéis, foi discutida desde o início do Concílio de Trento, quando os pontífices
publicaram diversas encíclicas visando a uma ampla divulgação do Catecismo
Romano. Ao lado disso, apareceram várias versões em línguas modernas, e foi
realizada uma tradução para o português, em 1590, pelo Padre Cristóvão de
Matos. A partir do século XVIII, o jansenismo e o racionalismo investiram
contra a pedagogia cristã tradicional, como estava exposta no Catecismo
Tridentino (Martins, 1951, p. 25-26).
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No campo da educação cristã, prevalentemente para a catequese dos
índios e negros, segundo Martins Terra (1988), os jesuítas procuravam aprender
as suas línguas e elaborar catecismos, e, quanto aos escravos africanos, havia
uma espécie de intercâmbio entre a Província do Brasil e as missões de Angola,
tendo alguns estudantes do Colégio de Luanda sido escolhidos para serem
missionários no Brasil. Alguns deles elaboraram catecismos e manuais de
instrução na língua dos negros.
Além de obras catequéticas, circularam, em Portugal e nas suas colônias,
algumas cartilhas e manuais de instrução, impressos e manuscritos, com
conteúdos de primeiras letras, rudimentos de gramática e aritmética, noções
morais e noções de catequese. Nestes manuais a parte dedicada à doutrina
era, geralmente, bem maior do que aquela dedicada aos conteúdos científicos.
Rogério Fernandes (1978) comenta várias dessas obras que começaram a surgir
em Portugal no início do século XVI e continuaram a ser produzidas durante
todo o século XVII e XVIII, quando, a partir da década de 40, foram, aos
poucos, evidenciando uma crescente influência iluminista.
Um manual dirigido aos mestres e intitulado Breve Instrucçam para ensignar
a Doutrina christaã; Ler e escrever aos Meninos e ao mesmo tempo os principios da Lingoa
Portuguesa e sua Orthografia, de autor desconhecido, circulou no Brasil colonial.15 O
manual, de data incerta, parece ter sido direcionado aos mestres que educavam
meninos livres. Apresenta categorias pedagógicas, cujos enfoques didáticos,
religiosos e morais permitem assinalar alguns pontos comuns com a Economia
Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos.16
A Breve Instrucçam assemelha-se, também, às cartilhas portuguesas
que predominaram até o século XVIII,17 como, por exemplo, outro manual,
Nova Escola para Aprender a Ler, Escrever e Contar, de Manoel de Andrade de
15 Cf. Andrade (1978).
16 Independente do momento exato do seu surgimento, as características mais amplas da pedagogia moderna,
contidas nesses manuais, se conformaram, nos países católicos, a partir do início do século XVI.
17 Rogério Fernandes fala da existência de mais de dez livros didáticos de língua portuguesa, geralmente
destinados como guias para os mestres. Para o autor, remonta ao final da Idade Média a existência de professores
profissionais, ao lado dos clérigos, e era provável que os textos utilizados nesse período inicial fossem apenas orais.
Informa, outrossim, que a partir do século XVI, surgem os primeiros impressos (Fernandes, 1978, p. 10). Atribui
Fernandes o texto impresso à ação da Igreja, e o texto manuscrito às possibilidades dos referidos mestres leigos,
que começaram, nesse período, a exercer a profissão docente. Essa prática correspondia aos primeiros “albores”
da laicização da profissão e a “carta” manuscrita copiava e substituía, em muitas situações, o catecismo impresso
usado oficialmente pela Igreja. Não sem críticas e reclamações, uma vez que, nesses casos, na visão dos clérigos, os
conteúdos religiosos eram prejudicados, pois “em vez de silabários impressos graças à diligência de eclesiásticos, os
mestres de meninos recorriam a extratos manuscritos extraídos de processos judiciais e documentos de natureza
comercial como base do ensino de leitura” (Fernandes, 1978, p. 10).
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Figueiredo, impresso em Lisboa, em 1722.18 Contraponto para a compreensão
tanto da Breve Instrucçam quanto da Economia Cristã, a Nova Escola apresenta
alguns pontos de consenso com outras cartilhas. Por exemplo, a preleção aos
mestres, a idéia subjacente de conjugação da autoridade real com a autoridade
eclesiástica e os temas abordados. De objetivos mais práticos, a referida obra
dedica menos tempo à doutrina e mais tempo à estética caligráfica e aos
conteúdos de Aritmética.
CONCLUSÕES
A história da colonização, nos séculos XVI, XVII e XVIII apresenta
modelos diferenciados de educação, segundo os agentes envolvidos e segundo
o lugar social de cada educando. A educação institucionalizada se dava nos
colégios, nas missões e em alguns organismos sociais, como irmandades, ordens
terceiras, paróquias e corporações de ofício. Acontecia, ainda, de modo mais
informal, nas senzalas e nas casas das famílias. Tinha, como principal agente
a Igreja Católica que, com o Estado, atuava no campo educacional, no campo
religioso e direcionava a moral, a ética, os costumes, os direitos e os deveres
do homem colonial. Atuando na educação e na evangelização estavam parcelas
do clero diocesano e as ordens religiosas aqui instaladas, capitaneadas pela
Companhia de Jesus.
Subjacente às regras e à práxis religiosa e educacional tradicionalmente
conhecida na Colônia, observamos, mediante vários signos culturais,19 que era
disseminada, pela religião, uma pedagogia religiosa que extrapolava não só os
limites da educação ministrada nas escolas de primeiras letras, nos colégios e nas
missões, mas, também, os limites da educação ministrada no lar e nas paróquias.
Era uma pedagogia que impregnava a sociedade colonial em todos os seus
espaços, públicos e privados, que doutrinava e que castigava – em nome da fé
– indistintamente, vigilante noite e dia, e da qual, todos eram, ao mesmo tempo,
mestres e alunos. Essa pedagogia, transplantada de Portugal, foi a quintessência
da vida colonial e – mesmo quando terminaram as relações coloniais, com
a vinda de D. João VI, com a Independência do Brasil e, mais tarde, com a
Proclamação da República – muitos dos seus traços permaneceram.
18 Cf. Palú (1978/1979).
19 A música, a arquitetura, a pintura, a escultura, a talha, a procissão, a ornamentação das igrejas, os textos
literários, os sermões – enfim, as mais importantes manifestações culturais daquele tempo visavam uma
educação para a dilatação da fé (Casimiro, 1996; 2002).
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CHURCH, PEDAGOGY, AND
AFRICAN SLAVES IN COLONIAL BRASIL
ABSTRACT
From a long during panorama that it called the “History of Colonial Brazil”, we think
about some dominants pedagogics ideas and literature as catechisms, books and school
manuals, that show us the culture and the modality of school education, used at colonial
period, in Brazils land. The first dedicate to evangelize the cristian education. The books and
the school manuals dedicate to teach the first caracters, the arithimetic and catholic religion.
We think also about the most important articles of Inácio: The Spirituals Exercises,
The Constitution of Jesus Company and the Ratio Atque Institutio Studiorum
Societatis Iesu, relating these documents with the direction that the company followed since
Inácio de Loyola, until the supretion of the organization in 1973, and the influence of these
documents in educational purpose of the Jesuits.
KEY-WORDS: Books. Catechisms. Colonial Brazil. Educational Purpose of the Jesuits.
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A História da Educação

A História da Educação
Aline Krahl¹
Daniela Letícia Rodighero¹
Desde sua criação, o homem foi transformando-se, adquirindo experiências e conhecimentos, produziu culturas que se ampliam até hoje. Em função disso, foram criadas as escolas, instituições especializadas em produzir e socializar conhecimentos. A educação que, durante milênios desenvolveu-se através da vida, foi deixada de lado, e passou-se a usar a educação formal.
Observando a história da educação brasileira, percebe-se que aqui aconteceu o mesmo, o conhecimento de mundo e a cultura que os índios possuíam e transmitiam entre si foram deixados de lado com o descobrimento, a partir de 1500.
A educação no Brasil se inicia em 1549 com a chegada dos jesuítas, que aqui permaneceram até 1759, comandando a educação com um padrão de educação próprio da Europa, com base nos métodos e conteúdos da Ratio Studiorum².
Em 1759, os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal (1750-1777), que defendia “idéias do despotismo esclarecido, o qual empreendeu reformas no campo educacional, iniciando uma luta pela escola pública” (GADOTTI, 1994, p.18).
A partir de 1808, com a vinda da família real para o Brasil, a educação limitou-se à formação de elites governantes e dos militares, sendo criados o curso de Cirurgia e Anatomia (1808), a Academia Real da Marinha (1808), a Biblioteca Pública (1810) e cursos técnicos e artísticos.
Após a Independência (1822), foram criadas no Brasil, em 1827, em Recife e em São Paulo, duas faculdades de Direito.
De acordo com a Constituição do Império (1824), cabia aos governantes das províncias (hoje estados) legislar sobre instrução pública. Apesar de ser gratuita a instrução primária para todos, o ensino fundamental permaneceu em completo abandono e, ao fim do Império, “o país tinha aproximadamente 14 milhões de habitantes, dos quais 8% eram analfabetos.” (GADOTTI, 1994, p.19).
Durante a Primeira República (1889-1930), questionou-se o modelo educacional herdado do Império. Nesse ano, ainda foi criado o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, mas, dois anos depois, esse ministério se extinguiu, passando os assuntos educacionais para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Nesse período também, houve a descentralização da instrução pública primária e secundária no Distrito Federal e a instrução superior, artística e técnica em todo o país.
A escola primária foi organizada em duas categorias: de 1º grau (crianças de 7 a 13 anos) e de 2º grau (crianças de 13 a 15 anos), esta com duração de sete anos. O nível superior foi afetado nos ensinos de engenharia, direito, medicina e militar. “Uma das intenções era tornar os níveis de ensino „formadores‟, [...] com vistas ao ensino superior.” (RIBEIRO, 2000, p.73). Para se atingir o objetivo no ensino secundário, por exemplo, foi
______________________
¹ Acadêmicas do primeiro período do Curso de Letras da UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC Campus Xanxerê.
² De acordo com Joaquim Ferreira Gomes (1995 apud POMBO), é uma lei orgânica que se ocupa do conteúdo do ensino ministrado em colégios e universidades. Impõe métodos e regras a serem observados pelos responsáveis desses colégios e universidades.
criado o exame de madureza, destinado a verificar se o aluno tinha conhecimento necessário ao término do curso.
A outra intenção era fundamentar a formação na ciência, substituindo a predominância literária pela científica.
Em 1924, surge a ABE (Associação Brasileira de Educação), que “impulsionou o movimento renovador da educação, culminando com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) em favor do ensino fundamental público, laico, gratuito e obrigatório” (GADOTTI, 1994, p.19).
Marcaram esse período também as numerosas reformas educacionais que tentavam estabelecer a estrutura e o funcionamento do ensino básico e superior:
A Reforma Benjamin Constant (1890), a Reforma Epitácio Pessoa (1901), a Reforma Rivadávia Correia (1911), a Reforma Carlos Maximiliano (1915) e a Reforma João Luís Alves (1925), entre outras realizadas pelos estados. A revolução de 1930 trouxe importantes transformações no campo educacional. Houve a criação do ministério da Educação e a elaboração do capítulo da educação na Constituição de 1934.
O primeiro ministro da educação criou Estatuto das Universidades Brasileiras e é criada, em 1934, a Universidade de São Paulo. A Constituição de 1937 introduziu o ensino profissionalizante e, em 1942, surgiram as Leis Orgânicas de Ensino Secundário.
Em 1948, o então ministro da educação encaminhou o primeiro projeto da LDB (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que só foi sancionada em 1961.
O regime militar destacou-se no campo educacional por duas reformas: a do Ensino Superior (1968) e a do Ensino Básico (1971), que passaram a chamar-se de 1º e 2º Graus.
O governo criou em 1967 o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), para acabar com o analfabetismo em dez anos. De acordo com GADOTTI (1994, p. 21), em 1970, o índice oficial de analfabetos no Brasil era de 32,05%. Em 1980, o censo do IBGE ainda registrava uma alta taxa de analfabetismo: 25,5% entre pessoas de 14 ou mais anos de idade.
Para muitos educadores brasileiros, a década de 80 é considerada perdida, pois, apesar das grandes oportunidades educacionais, a qualidade diminuiu, houve grandes índices de evasão e repetição.
A partir da constituição de 1988, a educação se tornou um direito de todos, dever do Estado e familiar, visando ao pleno desenvolvimento do estudante.
Esperava-se que, nas últimas décadas, fossem tomadas medidas e apresentadas políticas sociais que apontassem soluções para essa realidade, mas as perspectivas não foram animadoras.
O ano de 1991 foi marcado pelo abandono da educação, mas o discurso oficial de 1990 prometia uma “revolução na educação”. Isso não aconteceu. O grande projeto anunciado naquele ano, o PNAC (Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania), para erradicar o analfabetismo, foi esquecido.
O setor privado, devido à inflação desenfreada, chegou a anunciar aumentos de até 500%. Por conta disso, vários alunos de escola privada procuraram escola pública em 1992.
Para muitos, a crise escolar se transformou numa desculpa para o imobilismo. A escola cria ilusões que se desfazem na realidade. Para encarar a crise escolar, a escola deve levar em conta o cotidiano, responder às necessidades reais e concretas de hoje, numa educação voltada para o futuro.
Para as camadas populares, o cotidiano significa a busca de qualidade de vida. Buscam uma escola com interesses que atendam suas necessidades concretas de trabalho, lazer, saúde, alimentação, esporte, etc.
Como a escola se mantém fossilizada num mundo que não pára de inovar, a escola do terceiro milênio precisa tornar-se um lugar mais democrático, alternativo e principalmente estimulante. Os professores têm que estar preparados para transformar um aluno em estudante,
De acordo com a revista Época (nº 466, 23 de abril de 2007, p. 91), a escola, como a que conhecemos hoje, é fruto de uma sociedade forjada no século XVIII, quando a Revolução Industrial e o fortalecimento dos estados modernos criaram a necessidade de formar cidadãos qualificados para um novo mercado de trabalho. Assim surgiu um modelo de escola que, pela inclusão das massas, tornou-se preciso a divisão dos alunos em séries, a especialização dos professores em disciplinas e a sistematização de um ensino básico, onde o aluno era preparado para um mercado de trabalho que valorizava a mão-de-obra, o que hoje é feito por máquinas. Na década de 70, eram necessários 108 homens, durante 5 dias, para descarregar um navio no Porto de Londres. Hoje, com os contêiners e os guindastes modernos, esse trabalho é feito por 8 homens, em um dia.
Desde o início do século, a cabeça dos funcionários é o que os tornou interessante, não basta mais para o trabalhador saber cumprir ordens e entendê-las. Ele tem que ser alguém que saiba produzir e estar preparado para as mudanças.
A falta de instabilidade do mundo moderno tem uma implicação:o ensino não pode mais ser um conjunto de conhecimentos que servem apenas para preparar para o vestibular ou para o mercado de trabalho. A escola deve preparar o indivíduo para a vida inteira ou, até mesmo, torná-lo uma caixa de ferramentas básicas para enfrentar o século XXI. As pessoas precisam de algo diferente: estarem prontas para adquirir e colocar em prática conhecimentos o tempo todo.
Assim como o mundo, “... a escola absorveu uma quantidade enorme de conhecimento e informações, mas apesar de ter muito conteúdo, ela ensina pouco.”, diz Luciano Mendes, do Grupo de Estudos Pesquisas em História da Educação da UFMG, para a revista Época (nº466, 23 de abril de 2007, p. 91). Ele afirma que, quando a lição não faz sentido para a vida do aluno, ele não a absorve, por isso a escola tem a fundamental função de ensinar a filtrar e encontrar o que interessa; ensinar a escolher.
Vani Kenski, especialista em tecnologia da USP, na revista Época, (nº 466, 23 e abril de 2007, p. 92), afirma que “... a tecnologia, é uma ferramenta inicial, serve para o aluno pesquisar, entrar em contato com o que ele precisa. Depois entram o professor e o trabalho em grupo, para ajudá-lo a entender.” Uma das premissas dessa nova escola é a intimidade com a tecnologia. Saber usar computadores, lousas eletrônicas e programas educativos é hoje como conhecer o alfabeto.
As nações mais desenvolvidas já acordaram para a necessidade de modernizar o ensino. Segundo matéria da revista Época (nº466, 23 de abril de 2007, p. 92), nos Estados Unidos foi implantado o programa “No Child Left Behind” (Nenhuma Criança Para Trás), que distribui bônus às escolas que alcançam metas no ensino de matemática e inglês. A Espanha inovou a educação na década de 90: pôs fim ao ensino por séries; criou um sistema e disciplinas optativas e aulas profissionalizantes, atendendo tanto alunos que irão para a faculdade quanto os que irão direto para o mercado de trabalho; e várias disciplinas foram usadas em áreas do conhecimento, sendo comum que um aluno assista às aulas de História, Espanhol e Filosofia com o mesmo professor. “A Espanha e a União Européia aumentaram
as horas de aula não para dar mais conteúdo, e sim para levar a classe a museus, viagens e debates”, afirma Miguel Arroyo. O caso da Espanha é o mais aplicável para o Brasil.
Na escola, tornou-se necessário propiciar uma convivência mais respeitosa, igualitária e democrática entre os alunos e, estes com seus professores. Um exemplo de forte caráter autoritário e repressivo que são tomados nas escolas para manter a ordem e a disciplina é impedir comportamentos agressivos e violentos. É evidente que isso contribui muito pouco para a inovação educativa.
No Brasil, não se faz necessária apenas uma reforma no ensino, mas também, a reforma do professor. Ele necessita mudar seus pensamentos, seus hábitos e atitudes.
Referências Bibliográficas:
ARANHA, Ana. O que as escolas precisam aprender. Revista Época. Nº 466, p. 90-98, Abril. 2007.
FRANCO, Creso; KRAMER, Sonia. Pesquisa e educação: História, escola e formação de professores. 1ed. Rio de Janeiro: Ravil. 1997. 276p.
GADOTTI, Moacir. Organização do trabalho na escola: Alguns pressupostos. 2ed. São Paulo: Ática. 1994. 100p.
POMBO, Olga. Ratio studiorum. [199-]. Disponível em: Acesso em 01 mai. 2007
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 16ed. Campinas: Autores Associados. 2000. 207 p.
SAVIANI, Demerval. Educação brasileira: Estrutura e sistema. 8ed. Campinas: Autores Associados. 2000. 161p.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009. 241
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: SURGIMENTO
E TENDÊNCIAS ATUAIS DA UNIVERSIDADE
NO BRASIL
Everton de Brito Oliveira Costa 1
Pedro Rauber 2
Resumo: O processo histórico de educação do homem foi de fundamental importância
para a sua evolução, e vice-versa, podendo até mesmo se sugerir um mecanismo de
“simbiose” entre ambos os aspectos. No Brasil, os primeiros ensaios de educação formal
iniciaram-se com a chegada dos jesuítas em 1549 ao território nacional. A educação superior,
por sua vez, veio contribuir para um nível de formação adicional, baseado principalmente
no conhecimento específi co sobre determinado tema/área. Entretanto, começou
a ser praticada no Brasil somente a partir do ano de 1808, em decorrência à vinda da
Família Real para a Colônia, com a criação de institutos de ensino superior, por D. João
VI. Todavia, de institutos isolados, nos quais se transmitiam o conhecimento específi co
necessário à formação superior, esse nível de ensino passou a ser transmitido em unidades
que integravam uma gama de áreas do conhecimento, as universidades. A história
da criação da universidade e da prática do ensino superior muito fortemente sofreu infl
uência do contexto histórico no qual esteve inserido desde os seus primórdios. Salvo
que muitas das características observadas ainda no início da instalação e funcionamento
das universidades e do ensino superior no Brasil perduram e podem ser vistas até os dias
atuais. Muito se discute ainda sobre a origem da universidade no Brasil, neste sentido,
este trabalho objetiva contextualizar os processos políticos, sócio-culturais e fi losófi cos
do seu surgimento e institucionalização no território nacional, bem como as tendências
que ela e o ensino superior vêm assumindo na atualidade.
Palavras-chave: educação; universidade no Brasil; ensino superior.
Abstract: The historical process of human education was crucial to your development, and vice versa,
even if it may to suggest a mechanism of “symbiosis” between both aspects. In Brazil, the fi rst tests of
formal education began with the arrival of the Jesuits in 1549 to the national territory. Higher education
further has come to contribute to a level of additional formation, based primarily on specifi c knowledge
about a particular topic/area. However, it began to be practiced only in Brazil from the year 1808, due
to the arrival of the Royal Family to the Colony, with the creation of higher education institutes, by D.
João VI. However, from the individual foundations which transmitted the specifi c knowledge, this level
of instruction began to be transmitted in units that integrate a range of areas of knowledge, the universities.
The story of the university creation and the practice of higher education were strongly affected for the
historical context in which they were inserted at the beginning. Seeing that many of the features observed
at the beginning of the installation and operation of universities and higher education in Brazil can be
seen until the present day. Many things has been discussed yet about the origin of the university in Brazil,
in this sense, this study aims to contextualize the political, sociocultural and philosophical processes in its
emergence and institutionalization in this country, as well as the trends that it and the higher education
has become nowadays.
Key words: education; university in Brazil; higher education.
1 Graduado em Biomedicina e Especialista em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro Universitário da Grande
Dourados (UNIGRAN).
2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), professor titular da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e professor do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN).
Revista Jurídica UNIGRAN 242 . Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009.
1. Introdução
Apesar de já existirem muitos estudos publicados sobre o surgimento da universidade
no Brasil, muitas interpretações têm sido encontradas sobre esse assunto, o que
instiga a abordagem desse tema. Por isso, torna-se de fundamental importância traçar um
panorama do processo político-histórico-cultural que levou à instalação das instituições
universitárias no país, por meio dos dados obtidos através da literatura. Não obstante,
este trabalho inicia retratando aspectos relevantes da história da educação, uma vez que é
essencial compreender e contextualizar o processo histórico-fi losófi co-cultural da educação
para então fazer uma abordagem do ensino superior e a instalação das universidades
no Brasil, bem como as características que esses vêm assumindo nos dias atuais.
2. História da Educação
O processo educativo ainda nas sociedades primitivas constituía-se basicamente
por métodos informais, por um mecanismo denominado endoculturação, no qual
os valores, princípios e costumes eram transmitidos às gerações futuras por meio da
convivência em sociedade. Desse modo, os novos indivíduos eram integrados à ordem
social. Todavia, a transmissão desses valores, limitava-se somente à memória, ou seja,
não havia nenhum outro mecanismo além da convivência que registrasse esses valores
culturais nas sociedades antigas.
A partir de 13.000 anos a.C., registram-se os primeiros ensaios da escrita,
através de gravuras em pedras e cavernas, sendo a Mesopotâmia, considerada a primeira
civilização a produzir a escrita propriamente dita, o que tornou o processo educativo
mais formal (GILES, p. 6, 1987). No entanto, por ser considerada uma capacidade divina,
o poder da escrita e a sua transmissão estava sob a responsabilidade dos sacerdotes, os
quais passaram a se envolver diretamente com as atividades econômicas da sociedade.
É quase impossível exagerar a importância utilitária da invenção da escrita, pois esta,
através de símbolos, permite aumentar extraordinariamente a carga de informações disponíveis
ao indivíduo e à sociedade. Porém, mais importante ainda, permite à sociedade
conservar o passado coletivo de forma estável. Até esse momento, transmitiam-se as
tradições e os costumes da sociedade oralmente. A preservação de todo o patrimônio
cultural dependia tão-somente da memória. A palavra escrita veio fi xar o acontecimento,
tornando-o menos vulnerável à perda acidental, aumentando as possibilidades de ser
transmitido às gerações futuras, minimizando também a possibilidade de deturpações.3
Desse modo, a escrita surge como uma ferramenta capaz de demarcar os eventos
ocorridos ao longo do tempo, tornando os fatos menos susceptíveis ao esquecimento
e/ou a deturpações dos mesmos, devido ao fato de não estarem registrados, e também
como uma forma mais efi caz de transmissão de conhecimento aos descendentes. Durante
os primeiros tempos, a transmissão da escrita (e também da leitura) se dava através
3 GILES, T.R. História da Educação. São Paulo: EPU, 1987.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009. 243
4 RAUBER, P. Por que a História da Educação em um curso de pós-graduação?. In: Metodologia do Ensino
Superior. Dourados: Unigran, 2008e, p. 17-28.
5 RAUBER, P. A educação jesuítica e as reformas pombalianas. In: Metodologia do Ensino Superior. Dourados:
Unigran, 2008a, p. 29-50.
de escolas, entretanto, nem todos tinham acesso, somente membros do clero e pessoas
da nobreza, ou ligadas a ela.
Com a crescente escrituração e estratifi cação da sociedade, à casta sacerdotal, devem-se o
primeiro sistema de ensino formal, motivado pela necessidade da formação do sacerdote
escriba – guardião da ordem religiosa – o qual passa a ser o encarregado da administração
da sociedade. [...] O novo sistema escolar será reservado aos fi lhos das classes que detêm
o poder, portanto, não sendo nem universal nem tampouco compulsório. O processo
educativo dedica-se à conservação e continuidade do sistema sócio-político e dos valores
vigentes nas classes que detêm o poder. O conteúdo do ensino será diretamente vocacional,
moral e didático. A capacidade de ler e escrever confere àquele que a possui certo ar
de mistério, pois, apoiadas em sansões religiosas, a autoridade da palavra escrita a torna
invulnerável.4
No Brasil, no contexto econômico-cultural durante o período colonial, observa-
se uma economia baseada principalmente no sistema agroexportador, sendo o
escravo a principal peça para a atividade econômica da época, a produção do açúcar.
Inicialmente, o que havia nesse período era uma mistura de raças, costumes e valores,
pela miscigenação de índios, negros e o homem branco, o qual era fi gura “superior” aos
outros.
Os escravos participavam não somente das atividades econômicas, mas também
da vida particular do senhor de engenho, servindo-lhe de servo e satisfazendo os
seus desejos sexuais. E, segundo Veiga (2008), constata-se através dos dados historiográfi
cos dos períodos monárquico e republicano, que muito poucas eram as crianças negras
que tinham acesso a algum nível de instrução escolar, além desse evento não ser bem
visto pela sociedade. Os negros traziam consigo o fardo histórico da escravidão e a submissão
aos padrões culturais da sociedade vigente.
Tanto a Igreja quanto o senhor de engenho fracassavam nos esforços de enquadrar o
índio no sistema de colonização que iria criar a economia brasileira. Fora de seu hábitat
natural, o índio não se adapta como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para
suprir a defi ciência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e
do Recôncavo baiano começavam e importar negros caçados na África. Agora, as escravas
negras substituíam as cunhas tanto na cozinha como na cama do senhor. Na agricultura,
a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado
internacional. O Brasil, esquecido por quase duzentos anos, despertava fi nalmente o interesse
do Reino de Portugal.5
A “importação” de negros africanos se deu em conseqüência às difi culdades
na exploração dos indígenas. Estes adoeciam ou morriam muito facilmente. O processo
de “educação” e evangelização dos índios pelos jesuítas mostrava-se muito difícil, pois
eles aprendiam e desaprendiam os ensinamentos com muita facilidade. De certa forma,
Revista Jurídica UNIGRAN 244 . Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009.
complicando o desenvolver da colonização e a exploração das novas terras e da mão-deobra
dos nativos.
No decorrer de todo o período de colonização, principalmente após a vinda
da família Real para o Brasil, o que se pode observar é uma grande preocupação em se
desenvolver um modelo de ensino superior no Brasil, caracterizado pelo favorecimento a
uma pequena parcela da população, atendendo apenas a elite (“os fi lhos da aristocracia”)
e visando basicamente à formação do “Doutor”, como era chamado quem se formava
em Direito ou Medicina. Isso muito nos lembra a sociedade moderna, onde ainda se
pode observar resquícios do clientelismo e do favorecimento de uma pequena porção da
população com relação ao direito de acesso à educação superior bem como fora praticado
outrora.
Salvo que nas sociedades modernas, a função de educar os indivíduos e formar
cidadãos passa a ser prioridade das escolas, as quais se encarregam da transmissão do
conhecimento, e, nesse contexto passa a ser considerada mais uma mercadoria do que
um direito de todos, concentrando-se muitas vezes nas mãos das classes dominantes e
servindo como meio de exploração e dominação ao invés de promover a equidade social.
3. A Origem da Universidade no Brasil
A Europa mostra-se como o berço do surgimento das primeiras universidades,
inicialmente em países como Itália, França e Inglaterra no início do século XII, e disseminando-
se posteriormente por todo o território europeu, e marcantemente a partir dos
séculos XIX e XX, por todos os continentes, passando as universidades a integrarem o
elemento central da prática do ensino superior. (MENDONÇA, 2000)
Os primeiros ensaios da educação no Brasil se iniciaram com a vinda dos jesuítas
às terras brasileiras, em 1549, onde tentaram instituir um processo de “civilização”
dos nativos, pois buscavam integrá-los ao padrão de educação europeu (JUNIOR
e BITTAR, 1999). No entanto, apesar desse interesse em “civilizar” os nativos que aqui
se encontravam as prioridades da metrópole lusitana sempre foram fi scalizar e defender
a colônia, arrancando dela todas as riquezas possíveis. E, desse modo, se não fosse por
interesse das ordens religiosas em “educar” os aborígines que aqui se encontravam, nada
em matéria de ensino teria sido realizada no Brasil Colônia.
Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses trouxeram um padrão de educação
próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam
já não possuíam características próprias de se fazer educação [...]. Quando os jesuítas
chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade
européia; trouxeram também o método pedagógico.6
Não obstante, durante todo o Período Colonial, o Brasil dispôs de pessoas
6 RAUBER, P. (2008a). op. cit. p.52-53.
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009. 245
7 MOACYR, P. (1937) apud FÁVERO, M.L.A. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de
1968. Educar, Curitiba, n.28, p. 17-36, Maio/Jun. 2006.
educadas como doutores de várias formações (bacharéis, físicos e sacerdotes). Contudo a
diplomação só era conseguida nas universidades européias, especialmente, em Coimbra.
E, somente altos funcionários da Igreja ou da Coroa, ou fi lhos de burocratas, de grandes
latifundiários ou de comerciantes estudavam nas escolas do Velho Mundo (SOUZA, p.
10, 1991; OLIVEN, 2005).
Entretanto, pode-se observar um marcante atraso nos sistemas de ensino implantados
e uma defasagem nas produções intelectuais herdado pelo Brasil Colônia a
partir da Metrópole, cujo processo de ensino superior era praticamente todo voltado
para a área literária, mesmo apesar da produção de importantes obras literárias e da
descoberta de grandes poetas. Assim, o que se verifi ca é uma defi ciência intelectual de
Portugal nas demais áreas das ciências, como a astronomia, a botânica, a zoologia, a
geologia, diferentemente de outros países da Europa, que já se destacavam nessas áreas
científi cas, a exemplo de países como França, Alemanha e Inglaterra, como observado
por Vergara (2004). Desse modo, os primeiros ensaios do ensino superior no Brasil
constituir-se-iam sobre os moldes de Portugal, e passaria a herdar a mesma defi ciência e
atraso da Metrópole.
No período do Brasil Colônia houve várias tentativas de instituir uma universidade
no território nacional, no entanto, todas fracassaram. Nos conventos jesuítas,
franciscanos e carmelitas, os padres e seminaristas tinham acesso ao conhecimento de
nível superior nas áreas de Filosofi a, Teologia, Gramáticas Grega, Latina e Portuguesa,
entretanto, ninguém externo aos conventos tinha acesso a esse nível de conhecimento.
(OLIVEN, 2005; FÁVERO, 2006)
A história da criação de universidade no Brasil revela, inicialmente, considerável resistência,
seja de Portugal, como refl exo de sua política de colonização, seja da parte de
brasileiros, que não viam justifi cativa para a criação de uma instituição desse gênero na
Colônia, considerando mais adequado que as elites da época procurassem a Europa para
realizar seus estudos superiores.7
A implantação do ensino superior no Brasil iniciou-se apenas em 1808, com a
chegada da Família Real, expulsos de Portugal pela invasão francesa, e cujo rei D. João
VI, criou institutos de ensino superior a exemplo dos de Medicina, Engenharia e Economia.
Desse modo, esse nível de instrução nasce no Brasil como um modelo de instituto
isolado e de natureza profi ssionalizante, destinado essencialmente a atender os fi lhos
da aristocracia, que não podiam ir estudar no Velho Mundo devido ao bloqueio pela
esquadra napoleônica. (SOUZA, p. 11, 1991)
Merece ênfase a observação que todos os esforços realizados em prol da criação
de universidades no período colonial e monárquico, sofreram uma interferência
negativa por parte de Portugal, demonstrando uma política de controle por parte da
metrópole, destruindo qualquer perspectiva que vislumbrasse sinais de independência
cultural e política da colônia.
Revista Jurídica UNIGRAN 246 . Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009.
Por muitos anos, a teoria da universidade brasileira foi, basicamente, a pombaliana – uma
universidade técnica, prática, formando profi ssionais competentes para administração do
Estado. Na prática, o que prevaleceu foi a formação de elites. [...] Os primeiros cursos
superiores criados foram os de Medicina, Direito e Engenharia. As primeiras iniciativas
nesse sentido começaram a acontecer a partir da transmigração da Família Real portuguesa,
em 1808, os cursos funcionavam em instituições isoladas mantidas pelo Estado,
destinadas a formarem profi ssionais para atender às necessidades do próprio Estado e
da sociedade.8
De acordo com Giles (p. 287, 1987) a introdução de algumas modifi cações no
processo educativo deve-se principalmente ao regente D. João VI. Segundo Luckesi et al.
(p. 34, 1991) com a vinda de D. João VI para a colônia e a instalação do ensino superior
nascem as aulas régias, os cursos e as Academias em resposta às necessidades militares da
colônia e em conseqüência da instalação da Corte no Rio de Janeiro. Desse modo, pode
se observar que as instituições criadas por D. João VI que exerciam a prática do ensino
superior, estavam diretamente relacionadas e essencialmente preocupadas com a defesa
militar da colônia, como observado por Mendonça (2000).
Datam dos anos de 1808 a criação da Academia de Marinha e de 1810, a criação
da Academia Real Militar, no Rio de Janeiro, voltadas para a formação de ofi ciais e
engenheiros civis e militares; de 1827, a criação dos primeiros cursos jurídicos em Olinda
(transferido depois para Recife) e em São Paulo, com posterior expansão pelo território
nacional. (PELETTI e PELETTI, p. 153, 1990; SOUZA, p. 13, 1991)
Essas instituições e cursos criados por D. João VI, seriam os responsáveis pelo
surgimento de escolas e faculdades profi ssionalizantes que iriam constituir o conjunto de
instituições de ensino superior até o período da República, a partir de sucessivos processos
de reorganização, fragmentação e aglutinação dos mesmos.
Cabe ressaltar que todas as tentativas de implantação de entidades universitárias
durante o período de 1843 a 1920 fracassaram, e somente nesse último ano é que
se consolidou a criação de uma universidade, a Universidade do Rio de Janeiro, que
se converteria, posteriormente, em Universidade do Brasil, e depois, em Universidade
Federal do Rio de Janeiro. De acordo com Mendonça (2000), somente em 1920 surgiria
Universidade do Rio de Janeiro, formada pela união dos cursos superiores existentes na
Escola Politécnica, na Faculdade de Medicina e na Faculdade de Direito. É a primeira instituição
universitária criada legalmente pelo governo federal. (FÁVERO, 2006). “É nas
décadas de 20 e 30 que a questão universitária adquire intensidade no Brasil.” (RAUBER,
p. 60, 2008c)
Todavia, o período que se estende de 1920 e 1968 compreende os anos mais
críticos para a história da universidade no território nacional, período ao longo do qual
houve a efetiva implantação das instituições no Brasil e durante o qual assumiram a confi
guração que permanece até os dias atuais. (MENDONÇA, 2000)
Em 1924, criou-se a Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Associação
8 RAUBER, P. A universidade no Brasil: origem e trajetória. In: Metodologia do Ensino Superior. Dourados:
Unigran, 2008c, p. 51-74.
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9 LUCKESI, C. et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1991.
10 GILES, T.R. op. Cit. P. 292.
Brasileira de Ciências (ABC), que tinha por objetivo conscientizar educadores, público e
autoridades quanto aos problemas inerentes à educação nesse período, tentando buscar
soluções mais adequadas e discutindo questões como concepções de universidade, funções
das instituições universitárias e autonomia e modelo de universidade ideal. (FÁVERO,
2006)
A partir de 1930 inicia-se o esforço de arrumação e transformação do ensino superior no
Brasil. O ajuntamento de três ou mais faculdades podia legalmente chamar-se universidade.
É nesses termos que se fundam as Universidades de Minas Gerais – reorganizada
em 1933 – e a Universidade de São Paulo, que em 1934, já expressa uma preocupação de
superar o simples agrupamento de faculdades.9
Com a crescente e acentuada centralização política nos mais diferentes setores
da sociedade, constata-se no ano de 1930 a criação do Ministério da Educação e da Saúde
Pública, durante o período do Governo Provisório, tendo Francisco Campos como seu
primeiro titular. Entre os anos de 1931 e 1932, o então ministro da Educação, Francisco
Campos, decreta uma série de reformas na educação brasileira, criando o Conselho Nacional
de Educação, regulamentando e organizando o ensino superior e o 2° grau, e,
particularmente, decretando o modo de organização da Universidade do Rio de Janeiro.
Essas reformas promovidas por Campos se consolidaram com a criação do Estatuto das
Universidades, cujo artigo 1° dizia:
O ensino universitário tem como fi nalidade: elevar o nível da cultura geral; estimular
a investigação científi ca em quaisquer domínios de conhecimentos humanos; habilitar
ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científi co superior; concorre
enfi m, para a educação do indivíduo e da coletividade, para harmonia de objetivos entre
professores e estudantes e para o aproveitamento de todas as atividades universitárias, a
grandeza da Nação e o aperfeiçoamento da humanidade.10
Em 1932, lança-se o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional (SANFELICE,
2007), levantando questões como ensino gratuito a todos, igualdade de acesso
ao ensino, independente do sexo, e buscando elaborar um planejamento do processo
educativo para todo o país.
Segundo Cunha (p. 123, 1989), os responsáveis pela criação do manifesto defendiam
a expansão do ensino como fator essencial à democracia, à igualdade social e
ao desenvolvimento econômico. De acordo com Aranha (p. 245, 1989), o Manifesto dos
Pioneiros da Educação considerava e incumbia o dever da educação obrigatória e gratuita
ao Estado, sendo que essa ação deveria ser de forma tão ampla que abrangesse o país
inteiro. Cunha (p. 124, 1989) ainda afi rma que talvez esse manifesto tenha sido fundamental
no início da Campanha de Defesa da Escola Pública, que foi um movimento de
grande mobilização apoiado pelo jornal O Estado de São Paulo. “Esse manifesto é muito
importante na história da pedagogia brasileira porque representa a tomada de consciênRevista
Jurídica UNIGRAN 248 . Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009.
cia da defasagem entre a educação e as exigências de desenvolvimento.” (ARANHA, p.
246, 1989)
Todavia, a primeira instituição fundada e regida de acordo com as novas regras
do Estado foi a Universidade de São Paulo (EVANGELISTA, 2001). Fundada em
1934, a USP promoveu uma inovação na concepção estrutural e funcional das faculdades
preexistentes e passou a ser um divisor de águas (PELETTI e PELETTI, p. 180, 1990).
Contudo, a criação da USP deu-se do mesmo modo das demais universidades existentes
no país, ou seja, a partir da incorporação de um conjunto de escolas profi ssionalizantes
pré-existentes. (MENDONÇA, 2000; EVANGELISTA, 2001)
Em 1935, cria-se a Universidade do Distrito Federal (UDF) a partir da integração
de das Escolas de Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofi a e o
Instituto de Artes. A UDF trazia consigo a proposta de desenvolvimento integrado de
pesquisa, ensino e extensão, de acordo com as novas diretrizes propostas pelas novas
leis vigentes. A UDF era até então a mais inovadora e desafi adora universidade criada,
pois estava pautada sobre princípios norteadores que se mostravam como modelos
para o funcionamento de uma universidade ideal. Não obstante, a criação da UDF perduraria
até o ano de 1939 quando foi institucionalizada a Universidade do Brasil (UB),
mantida e dirigida pela União, e criada através da incorporação dos cursos da UDF, o
que culminou na sua desativação e conseqüente extinção. (FÁVERO, 2006)
Entre os anos 40 e 70 pôde se verifi car a criação das universidades federais
em quase todos os Estados brasileiros, merecendo destaque os Estados do Rio Grande
do Sul e Minas Gerais, com mais de uma universidade criada. Esse período marcou a
descentralização do ensino superior e a regionalização do mesmo. “O período anterior,
de 1946 ao princípio do ano de 1964, talvez tenha sido o mais fértil da história da
educação brasileira. Nesse período atuaram educadores que deixaram seus nomes na
história da educação por suas realizações.” (RAUBER, p. 65, 2008c)
Durante o período da Era Vargas, mais precisamente, no período pós 1945,
o que se observa nos processos de institucionalização universitária e do ensino superior
no país, são importantes tentativas de luta pela autonomia universitária, tanto
interna como externa, acompanhada pela expansão das universidades pelo território
nacional, que multiplicavam-se em uma velocidade extraordinário, seguindo o ritmo
do desenvolvimento do país provocado pelo processo de industrialização, preocupado,
entretanto, prioritariamente com a formação profi ssional com ênfase para a pesquisa
e a produção de conhecimentos. Nesse período que começam a surgir grandes pesquisadores.
(FÁVERO, 2006)
Segundo Mendonça (2000), ao longo dos anos 50 e 60 o Ensino Superior
no país passa a sofrer forte e profunda infl uência política, passando a adotar novas
ideologias como base de sustentação dos governos que se sucederam até o ano de
1964. Marcadamente, observam-se novos ensaios de mudanças na estrutura pedagógico-
administrativa do ensino superior, e debates promovidos principalmente por movimentos
estudantis que lutavam, por entre outras coisas, pela abertura da universidade
à população através da extensão e dos serviços comunitários, articulação das universiRevista
Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009. 249
dades com órgãos governamentais principalmente no interior do país, e pela liberdade
de expressão.
Contudo, o cenário cultural nas universidades passa a sofrer drásticas mudanças
a partir do ano de 1964, por causa do impacto surtido pelo golpe militar (EVANGELISTA,
2001; MENDONÇA, 2000; FÁVERO, 2006), o qual procurava conter a todo
custo os debates travados pelos movimentos estudantis dentro e fora das universidades,
por meio da repressão e da desarticulação dos movimentos através de intervenções violentas
por parte dos militares dentro dos campi universitários, tentando silenciar alunos
e professores.
Entretanto, os movimentos estudantis mostravam-se fortes e destemidos da
repressão militar. De acordo com Sanfelice (2007), no início do ano de 1968 a mobilização
estudantil era generalizada, caracterizada por intensos debates dentro e fora das
universidades, e exigia do governo a adoção de novas medidas que buscassem sanar os
problemas educacionais mais sobressalentes. Manifestações essas que ganharam força e
respaldo após a implementação da Reforma Universitária de 1968, que propôs a universidade
na sua forma mais ideal de organização do ensino superior, alicerçado no tripé
ensino, pesquisa e extensão, e enfatizando a indissolubilidade entre os três pilares.
Não obstante, o movimento de modernização do ensino superior no Brasil
havia atingido seu ápice no ano de 1961, com a criação da Universidade de Brasília
(UnB), a mais moderna universidade do país. E, partir dos anos 70, por causa das políticas
educacionais implantadas no Brasil, o que se verifi ca é um alastramento do ensino
superior pelo país, visto a grande concentração populacional urbana, o avanço do capitalismo
e a exigência de melhor qualifi cação profi ssional. No entanto, a perda da qualidade
do ensino foi notável. A grande busca por cursos superiores permitiu a expansão
da iniciativa privada no ensino superior, o que se tornou uma característica marcante do
período, como verifi cado por Souza (p. 19, 1991).
As conseqüências práticas a curto prazo dessa política foram a expansão do sistema de
ensino superior, o aumento do peso relativo do ensino privado em relação ao público e a
perda progressiva da qualidade média do aprendizado.11
4. Tendências Atuais da Educação Superior
A educação é, com certeza, um dos principais pilares que sustentam uma sociedade
democrática. Durante os últimos 200 anos da instalação das primeiras escolas
de ensino superior no Brasil, muitas políticas pedagógicas e de inclusão social foram
criadas. E, de sua antiga concepção, voltada para a formação religiosa, a educação superior
está voltada agora para a formação de profi ssionais nas mais diversas áreas do
conhecimento.
O processo de globalização colocou o país e a universidade diante de uma encruzilhada.
De um lado, o caminho da desregulamentação e da mercantilização do ensino, que retira
do Estado o protagonismo na defi nição das políticas educacionais. De outro, um projeto
11 RAUBER. P. (2008c). op. Cit. P. 66.
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que percebe a educação superior como um direito público a ser ofertado pelo Estado
gratuitamente, com qualidade, com democracia e comprometido com a dignidade do
povo brasileiro, com as expressões multiculturais que emergem do interior da sociedade,
com a sustentabilidade ambiental e com o desenvolvimento tecnológico de sua estrutura
produtiva.12
A educação, entretanto, deve ser compreendida como um mecanismo para a
diminuição das desigualdades, oferecendo equidade e igualdade social e étnico-cultural
perante a sociedade. Na atualidade, mais que uma fonte de conhecimento, as universidades
tomaram caráter comercial, vendo-se na necessidade de atender a um mercado
capitalista cada vez mais exigente, sendo esse, um dos principais fatores da busca pela
formação superior. Talvez o principal objetivo das universidades, que é produzir e transmitir
conhecimento para promover o desenvolvimento do “homem” e conseqüentemente
da sociedade, esteja fi cando em segundo plano, passando o conhecimento a integrar
um processo propenso à desregulamentação e mercantilização nesses tempos de
globalização.
A sociedade industrial passou a tratar as Universidades como um braço de sustentação da
produção econômica. Assim, os novos conhecimentos seriam úteis, se estivessem na perspectiva
de aumentar a produção. Da mesma forma, as próprias universidades passaram
a ser tratadas como instituições lucrativas, ou seja, com o desenvolvimento industrial,
um setor de classe burguesa viu a possibilidade de criar universidades/empresas para
produzir conhecimentos para serem comercializados.13
Desse modo, como ponderado por Fávero (2006), “pode-se inferir que alguns
desses impasses vividos pela universidade no Brasil poderiam estar ligados à própria
história dessa instituição na sociedade brasileira. Basta lembrar que ela foi criada não
para atender às necessidades fundamentais da realidade da qual era e é parte, mas pensada
e aceita como um bem cultural oferecido a minorias, sem a defi nição clara no sentido
de que, por suas próprias funções deveria se constituir em espaço de investigação
científi ca e de produção de conhecimento”.
Assim, com o grande avanço das entidades privadas investindo na educação,
principalmente no ensino superior, contribuindo fi nanceiramente para o desenvolvimento
de pesquisas, o conhecimento passa a parecer cada vez mais uma mercadoria do que
um instrumento de desenvolvimento social, econômico e cultural comum e de direito de
todos. Muito difi cilmente, o aparente desinteresse dos institutos fi nanciadores represente
uma perspectiva comprometida apenas com o desenvolvimento tecnológico e científi co
da humanidade, não visando a nenhum ganho fi nanceiro, ou qualquer outra lucratividade,
principalmente no mundo globalizado, cada vez mais competitivo e mais capitalista.
E as universidades, passam a atender cada vez mais às necessidades desse mercado,
12 RAUBER, P. Educação Superior: desafi os e limites postos pelo processo de internacionalização. In: Metodologia
do Ensino Superior. Dourados: Unigran, 2008d, p. 87-101.
13 RAUBER, P. A educação superior no Brasil: tendências atuais. In: Metodologia do Ensino Superior. Dourados:
Unigran, 2008b, p. 75-86.
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instigadas pela acirrada concorrência com outras instituições e pelo aliciamento de mais
e mais pessoas.
5. Considerações fi nais
O acesso ao ensino superior ainda é uma realidade muito distante de grande
parte da população, seja por oportunidade de acesso e/ou por oportunidades socioeconômicas
e culturais. Mas em contrapartida, muitas políticas vêm sendo adotadas e
implantadas nos últimos anos visando, essencialmente à diminuição dessa característica
do sistema educacional superior no Brasil, que por sua vez, é uma expressão marcante
herdada ao longo de séculos de história. Assim, a contextualização histórica da universidade
brasileira nos mostra que algumas características observadas desde os primórdios
de instrumentalização do ensino no território nacional, da criação das universidades e
institucionalização do ensino superior, bem como direito de acesso, lutas ideológicas e
intervenções político-educacionais, ainda perduram na sociedade moderna até os dias
atuais.
A análise dessas características e a intensifi cação dos debates sobre os desafi os
e tendências atuais da Universidade brasileira podem constituir-se, sem dúvida, num
grande desafi o a ser desenvolvido hoje em torno das perspectivas atuais da educação e
por consequência da Universidade. Não se pretende aqui dar respostas defi nitivas. Com
esse pequeno texto, procurou-se apenas iniciar um debate sobre as perspectivas atuais da
universidade, sem a intenção de, com isso, encerrá-lo. Existem muitos outros desafi os, a
refl exão crítica não basta, como também não basta a prática sem a refl exão sobre ela.
Este trabalho nos possibilitou identifi car e apontar algumas vertentes, dentro
de uma visão otimista e crítica - não pessimista e ingênua - para uma análise em profundidade
daqueles que se interessam por uma universidade voltada para os seus tempos,
como também para o futuro. Neste sentido, a nova concepção de Estado, foi decisiva na
forma de organização das Universidades. E se as universidades brasileiras estão vivendo
as crises, como refl exos das crises cíclicas da organização da produção econômica do
modelo capitalista, cabe alertar para a necessidade cada vez maior da formação superior
voltar-se para a perspectiva que, além aumentar a produtividade e a lucratividade na
atual sociedade globalizada, visivelmente estimulada pela crescente participação do setor
privado no ensino superior, também cabe um alerta para a necessidade de separar as
universidades da forma de organização política e econômica do Estado.
Aos interessados, e principais protagonistas do atual cenário sócio-políticocultural
que incluem discentes, docentes, universidades, Estado e entidades privadas fi -
nanciadoras do ensino superior, vale alertar sobre a necessidade de a atual concepção
do ensino universitário pautado no tripé ensino, pesquisa e extensão, voltar-se essencialmente,
embora não exclusivamente, para o desenvolvimento social a continuar trilhando
de mãos dadas com o capitalismo rumo à desregulamentação e mercantilização
do ensino superior.
Revista Jurídica UNIGRAN 252 . Dourados, MS | v. 11 | n. 21| Jan./Jun.2009.
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