domingo, 27 de setembro de 2009

A ESCOLA ATRAVÉS DOS TEMPOS

A ESCOLA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autora: Antônia Sales – Letras/UECE
antonia_saless@hotmail.com

Ao caminhar pela cidade, observando seus prédios, é fácil saber quando se está diante de uma escola, isso porque a escola é uma das instituições sociais mais importantes. Torna-se assustador imaginar que todas as pessoas passam em torno de quinze anos de suas vidas freqüentando esse espaço. E é interessante perceber que a história da escola e da educação acompanha todos os estágios da evolução humana, desde a forma de educação primitiva, mais informal, até o modelo de educação ministrado na escola atual.
Talvez por isso, ela é tida como o espaço de concretização e assimilação do conhecimento. Analisando-a do ponto de vista do contexto histórico, surgirão muitos questionamentos a respeito da atuação dessa instituição.
O ambiente escolar sempre existiu? Qual a nossa verdadeira função como educadores? Quem tem direito à educação? Quem é o sujeito da educação? Somo formados para servir à quem? Devemos desenvolver o que? Será que no nosso período de formação somos levados à refletir sobre o papel da escola e o mundo que nos cerca? Como podemos atuar de forma ativa e transformadora? Será que é só na escola que se dá o processo educativo? Qual a relação entre ambiente escolar e estruturação do pensamento?
A educação nas comunidades primitivas era um ensino informal e visava um ensino das coisas práticas da vida coletiva, focada na sobrevivência e perpetuação de padrões culturais, ou seja, não havia uma educação confiada a uma instituição específica., porque ela acontecia espontaneamente mediada pela convivência em grupo. É o aprender fazendo, inter-relacionando vida e trabalho nesse processo.
Com a conquista grega é que vem toda uma revolução na tradição do ensino, passando a ser vista de uma maneira mais racional.
O termo escola vem do grego scholé significando “lazer, tempo livre”. Esse termo era utilizado para nomear os estabelecimentos de ensino pelo fato de a tradição greco-romana não valorizar a formação profissional e o trabalho manual. Formar o homem das classes dirigentes era o ideal da educação grega. O professor não deveria ensinar de acordo com suas concepções, mas de acordo com a exigência da sociedade, devendo formar os futuros governantes e ocupantes dos altos cargos. O mestre filósofo era o responsável pela educação dos seus discípulos, em geral cinco e geralmente ensinava política, artes, aritmética e filosofia.
Na Idade Média, o conhecimento ficou praticamente nos mosteiros. È aí que a educação ambienta-se na escola e os religiosos se encarregam da transmissão do saber. Era ainda uma educação elitizada, não havendo separação entre crianças e adultos. Os nobres só se preocupavam em aumentar suas riquezas, e acreditavam até que o escrever era próprio para as mulheres, portanto desprezavam a cultura e a instrução. Com o desenvolvimento do comércio é que surge a necessidade de aprender a ler, escrever e contar. A burguesia estimula uma escola com ensinos práticos para a vida e para os interesses da classe emergente. Portanto, o aparecimento da instituição escolar estar diretamente ligado ao aparecimento e desenvolvimento do capitalismo. Percebemos isso claramente ao notar que no período da Revolução Industrial ( a partir de 1750), época áurea do sistema capitalista, houve a necessidade de mão-de-obra para operar as máquinas e que para tal manejo teriam que ter no mínimo uma instrução básica. A burguesia percebeu que a educação serviria para disciplinar esses milhares de trabalhadores. Adam Smith,um dos grandes teóricos do Capitalismo, inclusive defendia que a educação era necessária e deveria ser dada em pequenas doses às massas.
Portanto a burguesia viu na educação uma poderosa arma de controle para disciplinar os trabalhadores. Vemos aí que a Escola surge com funções ideológicas: inculcar na grande massa os valores e normas da classe dominante, mostrando a função de cada um conforme sua classe de origem.
Tal posição não é vista claramente pela massa, porque a Escola sempre é vista como uma instituição neutra que trata a todos de forma igual. Nunca se reflete sobre seu atual papel, o que de certa forma esconde a realidade da maioria.
Pelo que foi dito acima, conclui-se claramente o poder que a escola tem de disseminar o pensamento ideológico de quem comanda a sociedade. Ou seja, o aparelho escolar está a serviço da classe que controla a sociedade.
Os jesuítas criaram as primeiras escolas quando aqui chegaram em 1549, com o objetivo de formar sacerdotes e catequizar o índio, dedicando-se também à educação da elite nacional.A Companhia de Jesus foi uma instituição criada essencialmente para fortalecer e defender a Igreja. A Companhia demorou 59 anos para formular o seu plano de atuação – O Ratio Studiorum, finalizado em 1599 e totalmente influenciado pela cultura européia e considerado um perfeito instrumento de controle. Ou seja, privilegiavam uma cultura intelectual idealizada em nome da Igreja, em detrimento da emancipação intelectual.
Na Alemanha e na França é que se inicia a educação pública estatal, porém, sem o interesse de atender aos filhos da classe trabalhadora. No séc. XIX ela é inaugurada nos EUA e no Brasil no final do séc. XIX quando principiou o processo de industrialização do país.
No Brasil, para uma melhor compreensão da atuação da escola, fundamental é falar das tendências pedagógicas. Lembrando que nenhuma teoria ou método pedagógico é neutro, pois está enraizado no momento histórico, econômico e político na qual é formulado.
No século XX, no Brasil construiu-se um ideal de sociedade do lazer ancorado na ilusão do mundo de consumo, surgem os movimentos de contra-cultura( beatniks, hippies, punks); os movimentos de mobilização das minorias( movimento estudantil, feminista, grupos de defesa dos direitos humanos) e o surgimento das ONGs. Todas essas mudanças exigiram um novo tipo de escola, principalmente uma escola pública, leiga, gratuita e obrigatória devido à vertiginosa industrialização.
No Brasil, a educação só passou realmente a ser debatida no início do século XX a partir das discussões surgidas com os intelectuais brasileiros que passaram a analisar a educação de forma mais profunda. Tal análise começou como o movimento escolanovista na década de 20, que surgiu como uma crítica à educação tradicional, buscando acima de tudo a universalização do ensino no país. Preconizava ainda uma nova escola, onde o aluno passasse a ser ouvido e defendendo uma escola que formasse um homem novo.
A partir desse movimento surge o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), documento assinado e liderado por Fernando de Azevedo e com apoio de Aluízio de Azevedo, Anísio Teixeira, Cecília Meireles e várias outras personalidades.
Tal manifesto surgiu porque não havia ainda um sistema escolar adequado ao país, dando uma forma mais racional à educação, cientificando-a.
Nos anos 60, surgem movimentos contra a escola, propondo a desescolarização, e uma crítica ferrenha à escola, surgindo uma nova concepção. A escola passa a ser vista sob a perspectiva de reprodutora das desigualdades da sociedade.
Dermeval Saviani, um dos grandes teóricos da educação, classifica as teorias educacionais em teorias críticas e não-críticas. As teorias não-críticas entendem a educação como uma ferramenta de equalização social, de superação da desigualdade social, vista de forma autônoma em sua atuação, e ao tentar entendê-la partem dela mesma. Como exemplos de teorias não-críticas temos a pedagogia tradicional( preconiza o professor como centro do processo de ensino e ao aluno cabe aprender o que lhe é transmitido, sem ter o direito de questionar, preconiza o “aprender”), a pedagogia nova( defende a escola como um meio de equalização social, enfatiza o “aprender a aprender”). Daí vem o escolanovismo. Propunha uma ampla modificação na aparência das escolas, com salas de aula de aspecto mais agradável e mais alegre. A partir daí surge a pedagogia tecnicista, já que a pedagogia nova não conseguiu seu intento. A última das teorias não –críticas é a pedagogia tecnicista que enfatiza o “aprender a fazer” e tem como objetivo tornar o processo de ensino mais operacional, formando homens competentes e produtivos.
As teorias acima representam um processo de reorganização do aparelho escolar que passou por um intenso processo de burocratização. Essa fragmentação no trabalho pedagógico causou um caos no campo educativo por tentar comparar a educação com o sistema fabril.
Quanto às teorias críticas, elas são também denominadas de teorias crítico-reprodutivistas, pois são compreendidas a partir da influência da sociedade a qual servem. Portanto, há uma estreita relação entre educação e sociedade. Entre essas teorias Dermeval Saviani cita: a teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica(como exemplo temos a violência material imposta pela classe dominante à classe dominada, o que provoca uma violência cultural, o que vemos claramente na ação pedagógica institucionalizada, ou seja, no sistema escolar).
Uma outra teoria crítico-reprodutivista é a teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado, que Althusser bem distinguiu em Aparelhos Repressivos de Estado(a Polícia, os Tribunais, etc.) e os Aparelhos Ideológicos de Estado(a igreja, a família, os sindicatos, as escolas, etc.).Esses aparelhos ideológicos espalham a ideologia dominante, de forma não institucionalizada, mas de forma massiva e ideológica, já que a escola serve como instrumento de inculcação do pensamento da classe dominante. Para isso, ela prepara durante vários anos as crianças provenientes de todas as classes sociais e as transmite a ideologia da classe dominante, reproduzindo assim as relações de exploração do sistema capitalista.
A teoria dualista é a última teoria crítico-reprodutivista. Esta teoria acredita que a escola é dividida em duas camadas ou classes: o proletariado e a burguesia e que essa divisão está presente em todo o conjunto escolar, desde a primária até a secundária. Tal teoria entende que a escola cumpre a missão de formar a força de trabalho pra atuar no sistema, contribuindo para a reprodução das relações produtivas. Ela reconhece que existe uma ideologia proletária, mas que a ideologia proletária não está na escola.
Através dessas teorias conclui-se que as teorias não-críticas não conseguem bons resultados, por distanciarem a educação da realidade do aluno e as teorias crítico-reprodutivistas explicam o porquê do fracasso escolar.
Comenius ( Jean Amos Komenisky – 1592 – 1670), considerado o pai da didática, considerou a escola como o espaço fundamental da educação do homem, estruturando seu pensamento na máxima: Ensinar tudo a todos. Para ele, essa educação concebida em um ambiente adequado, com diálogo e através da experiência é que formaria cidadãos capazes e atuantes no mundo. E Comenius acredita na escola como uma aliada nesse modelo de construção do saber.
Maria Montessori, representante da Pedagogia Nova, a partir de experiências com o ensino de crianças, conclui que o espaço ideal para ser uma escola é uma casa com um jardim cultivado pelas crianças, com liberdade onde as crianças aprendem e se desenvolvem sem a ajuda dos adultos. Já que para Montessori, o ambiente adulto se torna um obstáculo para o desenvolvimento das crianças. Assim, preparando-se um ambiente adequado aos movimentos das crianças, ocorrerá a manifestação psíquica natural e portanto um aprendizado saudável.
Para Paulo Freire, grande expoente da educação brasileira, a escola é o espaço onde se dá o diálogo entre os homens, mediatizados pelo mundo ao redor, surgindo daí a necessidade de transformação do mundo. “ Não devemos chamar o povo à escola para receber instrução, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história(...) Freire, 1980. Freire considera a escola como um espaço político para a organização popular.

Numa perspectiva realmente progressista, democrática e não–arbitrária, não se muda a “cara” da escola por portaria. Não se decreta que, de hoje em diante, a escola será competente, séria e alegre. Não se democratiza a escola autoritariamente. A administração precisa testemunhar ao corpo docente que o respeita, que não teme revelar seus limites a ele, corpo docente. A administração precisa deixar claro que pode errar. Só não pode é mentir. (Freire, 1980)

No século XXI, a escola enfrenta um dilema. Com o grande avanço tecnológico, a era do computador, surge o desafio: seguir uma formação intelectual ou uma formação profissional?
As promessas que foram feitas no séc. XIX, para a implantação de uma escola pública e universal não se cumpriram de fato. O modelo da escola tradicional sofreu inúmeras críticas nos últimos tempos. Como enfrentar tais desafios na atual estrutura da escola?

História cultural e história da educação*

Francisco José Calazans Falcon
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
Introdução
A tentativa de reunir duas formas de história –
da cultural e a da educação –, que só muito raramente
andam juntas, levou-me a pensar seriamente nos motivos
que poderiam explicar a realidade de tal separação.
Ao longo deste artigo tentarei explicitar o encaminhamento
que demos ao exame dessa realidade.
O texto está dividido em três partes principais: a
primeira trata de algo que se afigura à primeira vista
como uma espécie de ausência, isto é, ao fato de que,
salvo algumas poucas exceções, não se pode constatar
a presença da história da educação no território da
oficina da história; a segunda aborda certas questões
disciplinares e institucionais, mas também historiográficas,
que têm concorrido para a exclusão de determinadas
disciplinas históricas do âmbito do território
do historiador; a terceira, enfim, busca trabalhar
em linhas mais gerais o problema da história cultural
na atualidade historiográfica, nele situando a questão
especifica da história da educação.
As evidências empíricas de uma ausência
Escolhi aleatoriamente algumas das obras que, a
partir dos anos de 1970, procuram analisar, segundo
perspectivas bastante distintas, os rumos da produção
historiográfica ocidental. Entre os inúmeros aspectos
abordados em tais obras (coletivas, por sinal),
observa-se sempre a importância cada vez maior da
história cultural, de início restrita à chamada história
das mentalidades. Mas também se pode observar
nesse mesmo universo textual a ausência quase completa
de trabalhos relativos à história da educação,
como se não competisse realmente aos historiadores
o estudo e a pesquisa de tal história.
Apenas para exemplificar tal ausência, selecionei
alguns dos trabalhos mais importantes de teoria e
historiografia publicados ao longo das ultimas três
décadas, como uma forma de documentar empiricamente
essas afirmações.
Em 1976 foi publicada no Brasil, pela editora
Francisco Alves, a tradução dos três volumes organi-
História cultural e história da educação*
Francisco José Calazans Falcon
Universidade Salgado de Oliveira, Programa de Pós-Graduação em História
* Artigo redigido a partir da exposição realizada no Grupo
de Trabalho História da Educação na 27a Reunião Anual da ANPEd
(Caxambu, MG, 21 a 24 de novembro de 2004).
História cultural e história da educação
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zados por Jacques Le Goff e Pierre Nora intitulados
Faire de l’histoire, respectivamente: História: novos
objetos, História: novos abordagens e História: novos
problemas. Em nenhum desses três volumes, contudo,
há qualquer referência à história da educação,
ao passo que entre os “novos problemas” e as “novas
abordagens” encontramos temas tipicamente culturais,
além do famoso artigo de Le Goff intitulado “As mentalidades:
uma história ambígua”. Quando muito se
poderia hoje assinalar a presença de um artigo precursor
de Roger Chartier e Daniel Roche (1976) – “O
livro: uma mudança de perspectiva” –, desde que, é
claro, sejam situados os estudos sobre livros, leitores
e leituras no âmbito de uma história cultural voltada
para aquelas práticas sociais mais diretamente ligadas
a perspectivas pedagógicas. Essa é, no entanto,
uma questão a ser retomada mais adiante.
Em 1997 foi publicada a obra intitulada Domínios
da história, organizada por Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas. A respeito desse livro pode-se fazer
duas observações: em seus 19 capítulos não há nenhum
dedicado à história da educação; e em nenhum dos dois
capítulos que mais se aproximam de nossas atuais indagações
– o capítulo 2, de Hebe Castro, sobre “História
social”, e o capítulo 5, de Ronaldo Vainfas, sobre
“História das mentalidades e história cultural” – há
qualquer referência à história da educação.
Em 1998 foi editada a tradução brasileira de
Passés recomposés, com o título Passados recompostos:
campos e canteiros da história, obra organizada
por Jean Boutier e Dominique Julia. Também nesse
caso, apesar de a temática ser extremamente contemporânea
dos diversos artigos, a educação – e não apenas
sua história – primou pela ausência.
Em 2001 foi publicado Brasil-Portugal: história,
agenda para o milênio, livro organizado pelos
professores José Jobson Arruda e Luís Adão da Fonseca,
que traz o conjunto das contribuições apresentadas
no ano anterior, em São Paulo, em uma reunião
da qual participaram algumas dezenas de historiadores
brasileiros e portugueses. Examinei, então, atentamente
as seis partes temáticas nas quais se reúnem
as diversas contribuições até agora apresentadas, e
notei que em nenhuma delas foi possível localizar algum
texto, alguma referência, à história da educação.
Certamente esses exemplos poderiam ser multiplicados,
porém isso pouco acrescentaria ao meu argumento.
Se fosse dada preferência a textos de autores
franceses, ingleses, italianos, espanhóis, portugueses
e norte-americanos, seria possível observar algumas
diferenças com relação à inserção da temática da educação
no âmbito da disciplina histórica, ou, mais concretamente,
na esfera da história cultural, embora não
necessariamente com a história da educação. Vejamos
alguns desses casos:
1. Georges Duby, em seu artigo sobre “Histoire
des mentalités”, hoje um autêntico clássico, publicado
na coletânea L’histoire et ses méthodes, organizada
por Charles Samaran em 1961, afirma que o
estudo das mentalidades do passado deve apoiar-se
numa história da educação entendida no seu sentido
mais lato, isto é, deve partir de todas as comunicações,
e do seu meio, “dos meios através dos quais o
indivíduo recebe os modelos culturais, e, portanto,
em princípio, deve partir de uma história da infância”
(p. 917-918).
2. Nos textos do Colóquio Franco-Húngaro de
Tihany, organizados em 1982 por Jacques Le Goff e
Bela Kopeczi com o título Objet et méthodes de
l’histoire de la culture, só consegui destacar dois artigos
mais ou menos relacionados com o tema que
ora nos ocupa: “Universidade e sociedade na Europa
Moderna”, de Jacques Revel, e “A constituição de uma
rede de colégios em França do século XVI ao XVIII”,
de Dominique Julia.
3. Roger Chartier, em A história cultural: entre
prática e representações (tradução portuguesa publicada
em 1990), inclui dois capítulos bastante próximos
de nossos atuais interesses: o capítulo 4 – “Textos,
impressos, leituras”, e o capítulo 5 – “Práticas e
representações: leituras camponesas em França no século
XVIII”.
4. Em A nova história cultural (1992), organizado
por Lynn Hunt, praticamente não há nada a respeito
de educação, história e cultura, com exceção do
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Francisco José Calazans Falcon
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
texto de Chartier sobre “Textos, impressos, leituras”,
já mencionado.
Há também, embora relativamente raros ainda,
alguns trabalhos mais ou menos recentes que abordam
e discutem os problemas principais das relações entre
a história da educação e a história produzida pelos historiadores,
assim como a questão específica das relações
entre história da educação e história cultural:
1. Thais Nivia de Lima e Fonseca é autora de
um interessante artigo intitulado “História da educação
e história cultural”, publicado em 2003 na
coletânea História e historiografia da educação no
Brasil, por ela organizada juntamente com Cynthia
Veiga Greive. Depois de definir a história cultural
como um campo historiográfico, a autora aí situa a
história da educação como um dos seus campos de
investigação. Assim, entendida como uma especialização
da história, a história da educação não pode
ser vista como um campo dotado de metodologia
própria e construtor de seus próprios referenciais teóricos.
Nesse particular, aliás, a autora critica as propostas
de Diana Gonçalves Vidal e Luciano Mendes
de Faria Filho (Lima e Fonseca, 2003, p. 59 e nota
25), bem como a tentativa de Marta Carvalho e
Clarice Nunes no sentido de demarcar fronteiras
entre a história cultural e a história da educação, pois,
no seu entender, as duas não se equivaleriam como
campo historiográfico. Na verdade, portanto, a história
da educação utiliza-se dos procedimentos metodológicos,
dos conceitos e referenciais teóricos,
bem como de muitos objetos de investigação pertencentes
à história cultural, e é no âmbito desta última
que devemos situá-la: “os últimos balanços realizados
sobre a produção em história da educação
indicam uma forte e já reconhecida tendência das
pesquisas na direção da nova história, especialmente
da história cultural” (p. 59-60 e nota 27).
Como principais evidências do que afirma,
Lima e Fonseca (2003) menciona: a busca de novos
objetos e de novas abordagens; a recorrência das referências
a autores como Roger Chartier; a ênfase dos
trabalhos, sobretudo dissertações e teses, na história
das leituras e dos impressos; a grande utilização de
conceitos como circulação, apropriação, representação,
saberes e culturas escolares, ou seja, a preocupação
com as práticas culturais (p. 60 e notas 28 e
29). Segundo a autora, “a contribuição que a história
cultural, como campo dotado de aportes teóricometodológicos,
pode dar ao avanço da história da educação
está no descortinamento de dimensões ainda
pouco exploradas, fora da escola e da escolarização,
bem como a imposição corajosa de novos olhares sobre
essa que é uma dimensão já tradicional” (p. 72).
2. Pere Solà, em comunicação apresentada por
ocasião do Congresso Internacional “História a Debate”,
realizada em 1993, em Santiago de Compostela,
e publicada no tomo dois das respectivas Actas com o
título “El estudio diacrónico de los fenómenos educativos
y las tendencias historiográficas actuales”,
aborda diversas questões bastante atuais a respeito da
história da educação em suas relações com a produção
historiográfica contemporânea.
3. Marta Maria Chagas de Carvalho, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
em um artigo intitulado “A configuração da historiografia
educacional brasileira”, publicado em 1998 no
livro organizado por Marcos Cezar de Freitas com o
título Historiografia brasileira em perspectiva, analisa
algumas das tendências que têm marcado a história
da educação entre nós, tomando como seu principal
exemplo a obra de Fernando de Azevedo e a
tradição que se construiu a partir daí.
Tradições e querelas disciplinares
Memórias e história
Há muitos anos, durante a segunda metade da
década de 1960, participei das discussões que tinham
como tema central a questão da reforma universitária.
Do bojo desse debate emergiu a proposta de liquidação
das faculdades de filosofia, há muito acusadas
– injustamente, por sinal – de constituírem um
sério obstáculo à implementação de uma nova uniHistória
cultural e história da educação
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versidade. Não cabe discutir, aqui e agora, a questão
das faculdades de filosofia. O fato é que, trabalhando
na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e na Universidade
Federal Fluminense (UFF), presenciei o desmembramento
das antigas faculdades de filosofia e a criação
dos novos institutos: o Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, na UFRJ, e o Instituto de Ciências, História
e Filosofia, na UFF.
Durante as intermináveis discussões que marcaram
a constituição dessas novas unidades, tive minhas
primeiras experiências sobre as dificuldades reais
do historiador para lidar com as chamadas disciplinas
setoriais de história – as disciplinas que, embora
fossem de história, não faziam parte dos departamentos
de história. Seria lógico, então (assim pensávamos
nós, os historiadores), que a reforma em curso
alocasse tais disciplinas de história nos departamentos
de história de cada universidade.
Ledo engano. Aos poucos, viríamos a perceber
as dificuldades de toda ordem para se tomarem providências
aparentemente tão lógicas e naturais. Na
verdade, não havíamos previsto que para cada uma
das histórias de..., dispersas pelos diferentes departamentos
da universidade, existiam sempre ponderáveis
razões a recomendar sua permanência institucional
nos departamentos em que já se achavam alocadas.
Tradição, razões práticas, argumentos teóricos, tudo
pesava a favor do statu quo.
No fundo, como no caso da educação, tratava-se
de uma disciplina (história da educação) que não foi
instituída como especialização temática de história,
mas como parte integrante de uma ciência da educação.
Só mais recentemente o mapeamento e a crítica
da historiografia educacional brasileira “têm posto em
evidência os constrangimentos teóricos e institucionais
que marcaram o processo de constituição da história
da educação como disciplina escolar e campo
de pesquisas” (Carvalho, 1998, p. 329). Trata-se daquilo
que Mirian Jorge Warde (1990) denominou de
presentismo pragmatista, ou seja, ao fato de que a
história da educação não foi instituída como especialização
temática da história, mas como ciência da
educação ou como ciência auxiliar da educação
(1990, p. 3-11).
Diana Gonçalves Vidal e Luciano Mendes de
Faria Filho (2003), em interessante artigo intitulado
“História da educação no Brasil: a constituição histórica
do campo (1880/1970)”, apresentam vários
elementos analíticos e críticos acerca dos caminhos
trilhados pela história da educação. Em primeiro lugar,
o histórico da disciplina a partir de três vertentes:
a tradição historiográfica do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB); as escolas de formação
do magistério; a produção acadêmica, de 1940
a 1970. Tomando como ponto de partida a persistência
maior ou menor dessas três vertentes, vêm, em
segundo lugar, os trabalhos realizados nos últimos
vinte anos: temas e períodos, abordagens teóricas
mais recorrentes, características historiográficas,
sobretudo a liderança acadêmica do grupo mais ligado
a Laerte Ramos de Carvalho. Com o surgimento
dos programas de pós-graduação em educação, manifestou-
se a tendência a utilizar como referencial
teórico o marxismo de Althusser e, a seguir, de
Gramsci, fato este assinalado por Mirian Jorge Warde
e Marta Carvalho (2000). Empenhada em explicar o
presente e nele intervir, essa historiografia confirmou
o pragmatismo dos anos de 1930 e de 1940, e
consolidou a escrita de uma história da educação
presa ao presentismo pragmatista (idem, p. 25-26),
aliás, com um certo viés salvacionista em alguns
autores mais vinculados ao pensamento religioso ou
aos engajamentos políticos.
Durante a década de 1980 foram criados vários
grupos de trabalho de história da educação. Em 1984,
na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (ANPEd), surgiu o GT História da
Educação, no qual se difundiram novos horizontes de
investigação na área, tais como a história das mentalidades,
o pós-estruturalismo e a história cultural. Em
1986 era criado o Grupo de Estudos e Pesquisas História,
Sociedade e Educação no Brasil, na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), caracterizado
por um certo viés marxista de análise histórica.
Em 1999 foi criada a Sociedade Brasileira de Histó332
Francisco José Calazans Falcon
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ria da Educação (SBHE) e, em 2001, a Revista Brasileira
de História da Educação (Vidal & Faria Filho,
2003, p. 58-59). Tais iniciativas denotam não apenas
o crescente interesse por um campo específico – o da
história da educação –, mas têm também como conseqüência
uma preocupação dos pesquisadores com
os seus pressupostos teórico-metodológicos e, ainda,
a sua inserção nas perspectivas propriamente historiográficas.
Em busca de novos caminhos
Acredito já haver demonstrado que aquela primeira
impressão de ausência da história da educação
do ponto de vista da oficina do historiador precisa
ser relativizada pelas tendências mais recentes no
âmbito da história da educação. Todavia, persiste ainda
hoje um certo distanciamento que tem a ver tanto com
as heranças das separações disciplinares quanto com
a natureza mesma da história da educação. Estamos
aqui, ao que tudo indica, ante a diferença entre dois
tipos de histórias: as chamadas histórias de (histórias
de algo, ou seja, de determinado objeto), e as histórias
algo (adjetivadas, referidas a determinado aspecto
tido como inerente à história). No primeiro caso, para
exemplificar, temos a história da arte, da literatura,
da filosofia, das ciências, do direito, entre muitas outras,
inclusive, é claro, a história da educação. Todas
se intitulam de histórias, mas, na realidade, cada uma
delas está vinculada a um campo específico do conhecimento,
de tal maneira que a perspectiva histórica
constitui apenas um tipo possível de abordagem,
algo que se situa entre uma espécie de história aplicada
a determinados objetos e a visão que se supõe
histórica acerca do desenvolvimento de idéias ou teorias
ao longo de um eixo cronológico.
Já em relação ao segundo tipo de histórias, sua
razão de ser encontra-se provavelmente na própria
história da historiografia: após as concepções totalizadoras,
de origem iluminista, típicas das diversas histórias
universais legadas pelo século XIX (historicistas,
marxistas, positivistas), afirmou-se, desde o final
desse mesmo século, com o domínio da historiografia
ou metódica, uma espécie de divisão do trabalho
historiográfico: aos historiadores, a história política
(acontecimentos políticos, grandes líderes civis e militares,
diplomacia, guerras, instituições e idéias políticas);
aos demais, especialistas em outros campos da
realidade histórica, a história da arte, da literatura, da
filosofia, da ciência, da música, do direito, da educação,
entendidas como especializações acadêmicas e
científicas.
Assim, compartimentadas em saberes acadêmicos
disciplinados e institucionalizados, as chamadas
manifestações culturais passaram a constituir os objetos
de historiografias particulares, incomunicáveis
umas com as outras, organizadas cronologicamente e
com características meramente descritivas, factuais,
quase sempre ancoradas nas noções de influência,
sucessão, escolas e eras ou períodos ditos históricos
que pouco ou nada tinham a ver com a história dos
historiadores propriamente dita.
Essa é, evidentemente, uma visão um tanto simplificada
da história da história durante o século XX.
Para sermos mais exatos, porém, precisaríamos lembrar
o lento processo que levou à constituição de uma
história econômica independente da teoria econômica,
primeiramente na Grã-Bretanha e a seguir na França
e em outros países. Recordemos, por exemplo, que
a revista lançada por Marc Bloch e Lucien Febre, em
1929, origem da chamada École des Annales, chamava-
se Revue d’Histoire Économique et Sociale. Relegando
a um lugar secundário a historiografia dita positivista,
a Escola dos Annales enfatizou o econômico,
o social e o meio geográfico. Nos anos de 1960, quando
estava no seu apogeu a história dos analistas,
Frédéric Mauro (1969, 1975) sublinhou a necessidade
de uma autêntica história social que preenchesse
as lacunas então existentes, segundo ele, entre a dimensão
política e a econômica. Desenvolveram-se,
assim, as histórias das estruturas, dos movimentos
sociais e das mentalidades coletivas.
Essa idéia de algo como uma história em três dimensões,
ou de um real tridimensional, veio a ser
modificada, a partir de meados dos anos de 1970, pelo
advento da história cultural, ou seja, o reconhecimento
História cultural e história da educação
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 333
de uma outra dimensão ou característica inerente à
realidade histórica: a dimensão cultural.
Assim resumidamente descritas as origens quer
das abordagens ou dimensões da realidade histórica,
quer das disciplinas setoriais, como vem a ser o caso
da história da educação, fica evidenciado que tais disciplinas
possuem o caráter de disciplinas de intersecção
entre dois campos principais – no caso em tela,
entre o campo das ciências históricas e o das ciências
da educação. Permanece no ar o problema da autonomia
da história da educação em relação às ciências da
educação, sendo válido perguntar, com Solà (1995, p.
213): o que é a história da educação? História aplicada
aos fenômenos educativos ou teoria da educação,
quer dizer, exposição da ciência pedagógica por uma
forma histórica? Segundo esse mesmo autor, a história
da educação não se libertou ainda de seu antigo
lastro filosófico mesmo funcionando hoje, em geral,
nos departamentos de teoria e história da educação, o
que implica o fato de que seus pesquisadores e docentes
são, na maioria das vezes, universitários sem
formação histórica específica.
Em conseqüência desses elementos, tende-se a
esquecer com demasiada freqüência, na prática, que
[...] o sentido da história educativa não se esgota no
escolar, e que o educativo (e o escolar) fazem parte de uma
complexa engrenagem cultural e social. Passa-se por cima
da questão de que a história do fato educativo se inscreve
na história da cultura, da transmissão cultural, da formação
e reprodução de mentalidades e atitudes coletivas... Esquece-
se a vital inserção da história da educação na história da
sociedade tout court. (Solà, 1995, p. 215-216)
De fato, sublinha Solà, uma informação correta
e profunda de tipo histórico contextualizador é imprescindível
para a compreensão do sentido da práxis
humana e, dentro dela, da intervenção educativa.
Lima e Fonseca (2003) tenta examinar a questão
da história da educação do ponto de vista da historiografia
contemporânea, com ênfase na história cultural.
Tal como sublinhei na primeira parte deste trabalho,
a autora constata que a história social não é
considerada nem como campo de investigação, nem
como objeto ou abordagem nos debates envolvendo a
nova história, a história das mentalidades, a história
social e a história cultural. Aliás, no livro Domínios
da história (Cardoso & Vainfas, 1997), como já vimos,
há diferenças entre territórios ou áreas e campos
de investigação e linhas de pesquisa, cujos objetos
podem ser tratados à luz dos pressupostos
teórico-metodológicos daqueles. O mais interessante,
no entanto, é a constatação da autora: “a história
da educação não aparece nem como território, nem
como campo de investigação, sequer como tema”
(Lima e Fonseca, 2003, p. 52).
Assim, há necessidade de uma reflexão mais
sistemática sobre os argumentos que tentam sustentar
uma propalada autonomia da história da educação
como um campo historiográfico particular, ao lado
da história política, ou, como querem outros, da história
cultural. Na verdade, porém, a educação é um
tema/objeto de investigação necessário à compreensão
da formação cultural de uma sociedade (idem).
A história cultural na historiografia
contemporânea
Penso que esta talvez não venha a ser a oportunidade
mais adequada para apresentar as principais questões
conceituais e suas implicações historiográficas
do ponto de vista da história cultural.
Trabalho, desde 1990, com diversos aspectos da
história cultural e sei muito bem que não haveria como
retomar, aqui e agora, as inúmeras questões abrangidas
por esse campo da produção historiográfica na atualidade.
Vou, portanto, tão-somente apresentar algumas
breves indicações e comentários, tendo em vista
a problemática da história da educação.
1. Toda vez que se aborda o tema da história cultural
emerge obrigatoriamente, no âmbito do problema
das relações entre história e cultura, a indagação a
respeito das diferenças, ou não, entre história da cultura
e história cultural. O primeiro obstáculo aqui vem
a ser o conceito de cultura. Há então que se distinguir
entre a historiografia da cultura elaborada a partir dos
334
Francisco José Calazans Falcon
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
pressupostos da Ilustração e aquela elaborada em função
de pressupostos antropológicos, na qual mais e
mais se destaca o caráter plural da noção de cultura e
sua multiplicidade de definições. Logo, é preciso reconhecer
que cultura constitui um nome aplicável a
um campo semântico e, como tal, em processo contínuo
de ampliação e complexificação (Falcon, 2002).
Denys Cuche (1999), ao analisar A noção de cultura
nas ciências sociais, percorre o longo itinerário
conceitual e metodológico que se inicia com a gênese
da palavra e da idéia de cultura, passa pela invenção
do conceito científico de cultura, em Edward B. Tylor
e Franz Boas, seu triunfo no século XX, e as diferentes
configurações mais ou menos recentes das variadas
acepções e relações construídas em função desse
mesmo conceito de cultura. Particularmente instigantes,
aliás, são o capítulo 4, sobre o “Estudo das relações
entre as culturas e a renovação do conceito de
cultura”, e o capítulo 5, intitulado “Hierarquias sociais
e hierarquias culturais”.
2. Uma das maneiras utilizadas pelos historiadores
do cultural para contornar as intermináveis discussões
a propósito dos objetos culturais que constituiriam
a matéria-prima da história cultural foi, ou
tem sido, a de pensar a história cultural como uma
certa forma de abordagem do real histórico e, ao mesmo
tempo, encarar a dimensão ou perspectiva cultural
como alguma coisa que está presente na economia,
na política e na sociedade como um todo.
Assim, entendendo-se o cultural como um certo
tipo de enfoque ou abordagem, ficaria de pé a idéia
da unidade da história – “só existe uma história”.
Logo, a ser aceito esse ponto de vista, a história cultural
equivale teoricamente às outras grandes divisões
da história – a econômica, a política e a social.
No lugar de objetos previamente definidos como culturais,
a história cultural contemplaria de fato o conhecimento
de uma dimensão do real.
Haveria assim uma diferença conceitual bastante
real entre história cultural e história da cultura, já
que esta última se definiria a partir de objetos – ou de
um único objeto, a cultura – reconhecidos como aqueles
pertencentes, ou inerentes, à própria idéia de cultura.
Logo, em lugar de um tipo de abordagem ou de
uma dimensão do real, tratar-se-ia do recorte de objetos
históricos reconhecidos como culturais.
Que não se trata de um simples jogo de palavras,
pode-se perceber com clareza, por exemplo, em
Gombrich (1994), quando se propõe a definir aquilo
que deveria ser uma verdadeira história cultural, em
oposição à “velha história da cultura”, autêntico obstáculo
epistemológico, segundo ele, no caminho da
construção necessária de uma “história cultural realmente
histórica”.
Peter Burke (2000), ao escrever sobre as Variedades
de história cultural, assinala o fato de que hoje
já existem muitos historiadores que preferem definirse
como historiadores culturais, algo talvez impensável
há alguns poucos anos. Ao mesmo tempo, a maioria
desses historiadores prefere trabalhar com
disciplinas setoriais em vez de escrever sobre culturas
totais – como reação à dependência da antiga história
cultural ao postulado da unidade ou consenso
cultural (tipo “espírito do tempo”, weltanschauung,
“civilizações” etc.). Outro exemplo desse tipo de crítica
a um conceito unitário de cultura é dado por
Thompson (1963, 1968) em seu conhecido estudo
sobre a formação da classe operária inglesa.
Afirma Schorske (1988) que, assim como é necessário
conhecer os métodos críticos da ciência moderna
para interpretá-la historicamente, também é preciso
conhecer os tipos de análise empregados pelos
estudiosos de humanidades para se poder abordar a
produção cultural não-científica do século XX. Mas
o historiador não partilha totalmente do objetivo do
analista de textos na área de humanas. Este visa o
máximo de elucidação de um produto cultural, relacionando
todos os princípios de análise com o seu
conteúdo particular. Já o historiador procura situar e
interpretar temporalmente o artefato, num campo no
qual se cruzam duas linhas. Uma é vertical, ou
diacrônica, com a qual ele estabelece a relação de um
texto ou um sistema de pensamento com expressões
anteriores no mesmo ramo de atividade cultural (pintura,
política etc.). A outra é horizontal, ou sincrônica;
com ela, o historiador avalia a relação do conteúdo
História cultural e história da educação
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 335
do objeto intelectual com as outras coisas que vêm
surgindo, simultaneamente, em outros ramos ou aspectos
de uma cultura. O fio diacrônico é a urdidura,
e o sincrônico é a trama do tecido da história cultural.
O historiador é o tecelão, mas a qualidade do tecido depende
da firmeza e cor dos fios. Ele tem de aprender
um pouco de fiação com as disciplinas especializadas,
cujos estudiosos, na verdade, perderam o interesse
de utilizar a história como uma de suas modalidades
básicas de entendimento – mas ainda sabem
melhor do que o historiador o que constitui, em seu
ofício, um fio resistente de cor firme (1988, p. 17). O
ponto de vista de Chartier (1990) a respeito da natureza
da história cultural foi expresso de uma forma
bastante sintética:
[...] trata-se de identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler, [sendo necessário] considerar
os esquemas geradores das classificações e das percepções
próprias de cada grupo ou meio como verdadeiras instituições
sociais, incorporando sob a forma de categorias mentais
e de representações coletivas as demarcações da própria
organização social. (p. 25, nota 45)
Afirma ele, ainda, que podemos
[...] pensar uma história cultural do social que tome
por objeto a compreensão das formas e dos motivos, isto é,
das representações do mundo social que, à revelia dos atores
sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente
confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade
tal como pensam que ela é ou como gostariam que
fosse. (idem, ibidem)
Essas duas citações permitem-nos perceber que
estamos diante de duas concepções da história cultural:
uma que a associa a uma história da cultura orientada
para o recorte e a análise de objetos específicos
chamados objetos culturais – e aí entra, é claro, a distinção
entre cultura material e cultura imaterial (ou
espiritual); e outra que privilegia o critério dos pressupostos
metodológicos que têm em vista a abordagem
tanto das representações como das práticas sociais
de acordo com as concepções típicas das diversas
teorias sociais.
3. O conceito de história cultural também não se
encontra imune ao conflito dos sentidos: há quem
pense a história cultural nos moldes da velha oposição
historicista entre um mundo natural e um mundo
da cultura, ou humano, histórico por definição. No
bojo de algumas dessas interpretações, persiste, não
raro, uma associação do cultural ao espiritual ou mental,
fazendo-nos recordar as conhecidas distinções
oitocentistas entre uma alta cultura, ou cultura das
elites letradas, e uma cultura popular, iletrada, por
definição, e muito próxima, quando não mesmo idêntica,
das manifestações chamadas então folclóricas.
Já no território marxista, a história cultural ora
vem referida aos produtos e manifestações da cultura
material, ora se restringe ao estudo das formas de
consciência social, e aí entra em cena o problema da
ideologia. Muito comum, também, é a discussão segundo
pressupostos estruturais – e estruturalistas, mais
recentemente –, na qual se indaga se a cultura e o
cultural constituem ou não uma instância do real, sua
autonomia relativa e as relações que mantêm com as
outras instâncias do real.
História cultural ou histórias culturais?
De acordo com o conceito de cultura que se tenha
em vista, há pelo menos duas concepções básicas
acerca do campo de abrangência da história cultural:
a primeira delas define a história cultural como história
da cultura intelectual ou desinteressada, voltada
para as coisas do espírito, sinônimo talvez de história
intelectual, e muito próxima da antiga história das
idéias. Basicamente voltada para as formas textuais
em geral, essa história cultural identifica-se bastante
com a chamada alta cultura, ou cultura dominante.
Já no caso da segunda, porém, a história cultural
compreende tanto a cultura intelectual (ou do espírito)
quanto a cultura material, ou seja, a erudita e a
popular, a cultura científica, filosófica e artística, mais
sofisticada, e a cultura cotidiana, ou do senso comum.
336
Francisco José Calazans Falcon
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
Freqüentemente, a alta cultura, enquanto cultura dominante,
é associada às chamadas elites ou classes
letradas, ao passo que a cultura cotidiana é vista como
a cultura popular, ou dominada.
Todas essas denominações e oposições vêm sendo
submetidas a críticas constantes. Para não poucos
historiadores, aliás, tais dicotomias culturais são demasiado
simplistas, reducionistas e irreais – tal como
se dá, por exemplo, com Roger Chartier (1990),
Jacques Revel (1989) e Carlo Ginzburg (1991) –, já
que a dinâmica das relações culturais e sociais tende
a misturar essas divisões e distinções aparentemente
tão homogêneas. Quanto aos autores marxistas, suas
críticas têm sido endereçadas a esse conceito supostamente
amplo de história cultural, mas que deixa de
fora praticamente toda a cultura material.
Trabalhar cada vez menos com um conceito único
de cultura ou com suas supostas oposições
dicotômicas parece ser a tendência entre os historiadores
do cultural.
Alguns problemas da história cultural
A historiografia contemporânea vem demonstrando
a realidade e a especificidade da história cultural.
No limite, aliás, já existem aqueles que admitem não
ser mais aceitável tentar pensá-la segundo os esquemas
explicativos que legitimam os demais campos
do conhecimento histórico, tal como acabo de fazer.
De qualquer modo, porém, é preciso ter em vista pelo
menos três coisas a respeito da história cultural:
1. A história cultural não deve ser encarada como
mais uma entre as diversas disciplinas históricas especializadas
e definidas em função das temáticas respectivas.
O cultural constitui um campo multi e interdisciplinar,
capaz de articular os temas e as questões mais ou
menos dispersos pelas disciplinas especializadas.
2. Ela não é apenas mais um tipo de enfoque ou
abordagem. Ao contrário de abordagens como a econômica,
a política, a social ou a intelectual, nas quais
o historiador recorta e destaca da totalidade histórica
certos tipos ou conjuntos de objetos relativamente
homogêneos, a história cultural vê-se sempre diante
da dificuldade de recortar objetos culturais. Daí podemos
perceber atitudes bastante diferenciadas entre
os historiadores diante da história cultural: há os que
definem o cultural como tudo aquilo não classificado
como econômico, político, social; mas há também
quem veja o cultural como uma dimensão transdisciplinar,
inerente ao próprio real, própria de todo o fazer
humano. Logo, não haveria como circunscrever o
cultural em termos de região ou nível, pois, a rigor,
ele faz parte de todos os níveis.
3. Não se trata apenas de um novo espaço ou
dimensão do real, distinto, separado e definido em
termos espaciais ou hierárquicos em relação aos demais
espaços, regiões ou níveis desse mesmo real.
Assim, chega-se a uma conclusão bastante interessante:
a história cultural não deveria ser apenas
uma denominação ou rótulo que se aplicaria a um
campo de estudos constituído de objetos e temas específicos.
A idéia de atribuir uma espécie de lugar
ao cultural em termos de realidade histórica, um lugar
situado entre o econômico, o político e o social,
talvez tenha tido sua razão de ser no começo da história
cultural. Hoje, todavia, sabe-se que esse lugar
não existe, assim como tampouco existe uma
alocação arquitetônica que permita dizer se a história
cultural está acima, abaixo, ou ao lado de outros
aspectos do real.
Objetos e métodos da história cultural
Afirma Georges Duby (1982, p. 14) que “a história
cultural tem como proposta observar no passado,
em meio aos movimentos de conjunto de uma civilização,
os mecanismos de produção dos objetos
culturais” (da produção vulgar à mais refinada).
Nas atas do Colóquio Franco-Húngaro de Tihany
sobre “Objeto e métodos da história da cultura”, realizado
em 1977, do qual participaram Duby, Le Goff,
Makkai e Kosary (os dois últimos historiadores húngaros),
ficaram registradas as seguintes indicações
temáticas (cf. Le Goff & Kopeczi, 1982):
História cultural e história da educação
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 337
a) Visões de mundo: sistemas de valores e de
normas ligados às necessidades econômicas,
sociais e políticas da sociedade, sua influência
sobre o conhecimento cotidiano, científico e
artístico e sobre as atitudes e modos de vida.
b) Política cultural: as concepções das diferentes
classes e camadas sociais e dos diversos
movimentos e correntes.
c) Atividades institucionais na difusão da cultura
material e intelectual (ensino, edição,
imprensa, rádio, televisão, igrejas e organizações
sociais; a língua como meio de comunicação).
d) Intelectuais: seu papel/função como difusores
da cultura e a sua realização/concretização.
e) Ciência: condições de existência, resultados
e funções no cotidiano, no desenvolvimento
da sociedade, da consciência cotidiana e das
ideologias.
f) Literatura e artes: condições de existência, resultados,
funções e influência sobre a consciência
cotidiana, as ideologias, as atitudes e
os modos de vida; a imagem da sociedade e
do homem em seus produtos.
g) Cultura material e intelectual da vida cotidiana
das diversas classes, camadas e grupos
sociais. Principais características.
h) Tradição e inovação cultural de uma época;
valores que se transmitem ou que desaparecem;
lugar do período em causa na evolução
global de determinado povo ou da humanidade.
Quanto aos métodos, Duby (1982, p. 14-17) sublinha
o conceito de produção cultural, pois, segundo
afirma, o historiador deve considerar o conjunto
da produção cultural e as relações que possam existir
entre os acontecimentos produzidos no topo do edifício
– como obra-prima – e essa base quase inerte da
produção corrente, pois, em geral, as disciplinas separadas/
especializadas permanecem ancoradas no
excepcional. Seria fundamental, segundo ele, elucidar
as relações existentes entre o movimento criador,
que arrasta a evolução de uma cultura, e as suas estruturas
profundas. Entre estas últimas estão situadas
as estruturas econômicas e suas conexões com os ritmos
da produção cultural em certas épocas.
Ainda segundo Duby, há também outros fatores,
não-econômicos, a considerar:
a) uma herança, um capital de formas de que
cada geração lança mão (formas literárias,
artísticas, filosóficas);
b) os fatores ideológicos, o papel do imaginário,
do sistema de valores, das imagens que
servem para explicar o mundo;
c) o fato de que não existe apenas uma cultura,
mas sim culturas, mesmo em sociedades pouco
evoluídas; logo, é importante não trabalhar
com as noções de povo e elite como se
fossem blocos homogêneos, ignorando-lhes
as estratificações e combinações variadas –
“os deslizamentos, passagens, interferências,
origens da complexidade do espaço cultural”
(apud Falcon, 2002, p. 100-102).
A título de conclusão
Segundo Jean-Pierre Rioux (in Rioux & Sirinelli,
1997, p. 17-18), é possível distinguir pelo menos quatro
blocos mais importantes no âmbito da história
cultural:
a) A história das políticas e das instituições culturais,
abrindo caminho ao estudo das relações
entre o político e o cultural (ideais, atores,
culturas políticas).
b) A história das mediações e dos mediadores, no
sentido estrito de uma difusão instituída de saberes
e de informações, mas também, em sentido
mais amplo, de inventário dos transmissores,
dos fluxos de circulação de conceitos, ideais
e objetos culturais; das maneiras à mesa, à escola,
do rito religioso à moda etc.
c) A história das práticas culturais, que não deve
ficar fechada em si mesma, sinônimo de um
338
Francisco José Calazans Falcon
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
sociocultural sempre presente no horizonte de
pesquisa e levando a revisitar a religião vivida,
as sociabilidades, as memórias particulares,
as promoções identitárias e os usos e costumes
dos grupos humanos.
d) A história, enfim, dos signos e símbolos exibidos,
dos lugares expressivos e as sensibilidades
difusas, ancorada sobre os textos e as obras
de criação, sempre íntima, alegórica e emblemática,
valorizando as ferramentas mentais e
as evoluções dos sentidos, misturando os objetos,
as práticas, as configurações e os sonhos.
Sirinelli (2004) refere-se à síntese entre os dois
pólos possíveis de uma história cultural, concebida
ao mesmo tempo como história das representações
do mundo e como a das elaboradas
produções do espírito, desde os sistemas
de pensamento mais construídos até as sensibilidades
mais simples. Esses pólos delimitam
um campo de estudo, tendo por objeto tudo
aquilo que é dotado de sentido em um grupo
humano em uma certa data. Daí a validade da
definição proposta para a história cultural:
como os homens representam e representamse
no mundo que os cerca.
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FRANCISCO JOSÉ CALAZANS FALCON, livre-docente
em história moderna pela Universidade Federal Fluminense
(UFF), professor titular aposentado da mesma universidade, assim
como da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio),
é atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Salgado de Oliveira. Trabalhos publicados:
A época pombalina (São Paulo: Ática, 1982), Mercantilismo
e transição (São Paulo: Brasiliense, 1982); Iluminismo (São
Paulo: Ática, 1986); Tempos modernos: ensaios de história cultural
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000); História
cultural (Rio de Janeiro: Campus, 2002); A formação do mundo
moderno (Rio de Janeiro: Campus, 2006), os dois últimos em
colaboração com Antonio Edmilson Martins Rodrigues. Pesquisas
em andamento: “Historiografia brasileira: a época cientificista
– Capistrano de Abreu”; “Teoria da historiografia contemporânea;
as historiografias modernas e pós-modernas”. E-mail:
prof@franciscofalcon.com.br
Recebido em novembro de 2005
Aprovado em fevereiro de 2006
Resumos/Abstracts/Resumens
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 375
especialidad cultural, que marca a la
escuela xakriabá.
Palabras claves: educación indígena;
cultura escolar; antropología de la
educación
Francisco José Calazans Falcon
História cultural e história da
educação
O artigo analisa a separação entre a
história cultural e a história da educação.
Examinando obras a partir dos
anos de 1970, verifica a importância
crescente da história cultural e a ausência
quase completa de trabalhos
relativos à história cultural da educação.
Aborda questões disciplinares e
institucionais, mas também
historiográficas, que concorrem para
a exclusão de determinadas disciplinas,
como a história da educação, do
âmbito de trabalho do historiador.
Durante a década de 1980, detecta
maior interesse pela história da educação
e por sua inserção nas perspectivas
historiográficas. Focaliza algumas
questões que interessam aos
historiadores e aos historiadores da
educação: as relações entre história e
cultura; a tentativa de considerar a
história cultural em duas perspectivas:
uma que lhe atribui o recorte e
análise de objetos culturais, e outra
que privilegia os pressupostos metodológicos,
abordando tanto as práticas
sociais como as suas representações,
de acordo com concepções das
diversas teorias sociais. Conclui que
a história cultural é um campo multi
ou interdisciplinar, não apenas um
tipo de abordagem, nem apenas um
novo espaço ou dimensão do real, e
enfatiza a necessidade de uma reflexão
mais sistemática sobre a educação
como um tema/objeto de investigação
necessário à compreensão da
formação cultural de uma sociedade.
Palavras-chave: história cultural;
história da educação
Cultural history and the history of
education
The article analyses the separation
between cultural history and the history
of education. It verifies the growing
importance of cultural history and the
almost complete absence of studies on
the cultural history of education based
on an examination of works starting in
the 1970s. It deals with disciplinary,
institutional and historiographic
questions which contribute to the
exclusion of determined subject areas
like the history of education in the ambit
of work of the historian. It detects a
greater interest in the history of
education during the 1980s, and in its
insertion in historiographic
perspectives. It focuses on some
questions which are of interest to
historians and historians of education:
the relation between history and
culture; the attempt to consider cultural
history from two perspectives – one
which attributes to it the separation
and analysis of cultural objects and the
other which privileges methodological
presuppositions dealing with both social
practices and their
representations, in accordance with
conceptions from diverse social
theories. It concludes that cultural
history is a multi or interdisciplinary
field, not simply a kind of approach
nor a new space or dimension of
reality and emphasizes the need for a
more systematic reflection on education
as a theme/object of investigation
necessary for understanding the cultural
formation of a society.
Key-words: cultural history; history of
education
Historia cultural y historia de la
educación
El artículo analiza la separación entre
la historia cultural y la historia de la
educación. Examinando obras a partir
de los años de 1970, se verifica la
importancia creciente de la historia
cultural y la ausencia casi completa de
trabajos relativos a la historia cultural
de la educación. Aborda cuestiones
disciplinares e institucionales, pero
también historiográficas, que
concurren para la exclusión de determinadas
disciplinas, como la historia
de la educación, del ámbito de trabajo
del historiador. Durante la década de
1980, detecta un mayor interés por la
historia de la educación y por su
inserción en las perspectivas
historiográficas. Focaliza algunas
cuestiones que interesan a los historiadores
y a los historiadores de la
educación; las relaciones entre
historia y cultura; la tentativa de considerar
la historia cultural bajo dos
perspectivas; una que le atribuye el recorte
y análisis de objetos culturales, y
otra que privilegia los presupuestos
metodológicos, abordando tanto las
prácticas sociales como sus
presentaciones, de acuerdo con
concepciones de las diversas teorías
sociales. Concluye que la historia cultural
es un campo multi o interdisciplinar,
no apenas un tipo de abordage, ni
apenas un nuevo espacio o dimensión
de lo real, y enfatiza la necesidad de
una reflexión más sistemática sobre la
educación como un tema/objeto de
investigación necesario a la
comprensión de la formación cultural
de una sociedad.
Palabras claves: historia cultural;
historia de la educación
Luiz Felipe Baêta Neves
História intelectual e história da
educação
O texto começa por tratar do uso anacrônico
de palavras e idéias. Tal uso
caracteriza-se por uma rigidez na interpretação
da linguagem, que acaba por
se fixar nos significados correntes na
época em que se escreve a história.
Essa reificação do discurso tende a desconsiderar
as possíveis significações

A educação brasileira no período pombalino

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 465
A educação brasileira no período pombalino: uma
análise histórica das reformas pombalinas do ensino
Lizete Shizue Bomura Maciel
Pontifícia Universidade Católica-SP
Alexandre Shigunov Neto
Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
Os autores, por meio de um recorte histórico, apresentam um estudo
de caráter bibliográfico, a partir do qual analisam o ensino
brasileiro, ao focalizar especialmente a proposta de reforma educacional
realizada por Marquês de Pombal. Nessa análise, apontam
para as conseqüências da proposta pombalina para a educação
brasileira e portuguesa, em cujo contexto social estavam presentes
idéias absolutistas, de um lado, e idéias iluministas inspiradoras de
Pombal, de outro lado. Os estudos estão centrados na fase
governativa de Pombal, isto é, como ministro da Fazenda do rei
D. José I e, como tal, buscou empreender reformas em todas as
áreas da sociedade portuguesa, inclusive atingindo o Brasil como
colônia, visando dar-lhe uma unidade. A análise crítica converge
para a afirmação de que a reforma pombalina foi desastrosa para
a educação brasileira e, em certa medida, também para o sistema
educacional português. Tal afirmação está fundamentada na seguinte
questão – destruição de uma organização educacional já
consolidada e com resultados seculares dos padres da Companhia
de Jesus, ainda que contestáveis do ponto de vista social, histórico,
científico, sem que ocorresse a implementação de uma nova
proposta educacional que conseguisse dar conta das necessidades
sociais. Portanto, a crítica que se pode formular, nesse sentido, e
que vale para o momento atual de nossa sociedade, está relacionada
às freqüentes descontinuidades das políticas educacionais.
No entanto, torna-se necessário enfatizar que a substituição da
metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico
da escola pública e laica marca o surgimento, na sociedade, do
espírito moderno.
Palavras-chave
Marquês de Pombal – Reforma educacional – Iluminismo – Escola
Correspondência: pública.
Lizete Shizue Bomura Maciel
Rua Santos Dumont, 2173 – apto.
1201
87013-050 – Maringá – PR
e-mail: newliz@uol.com.br
466 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006
Brazilian education in the Pombaline period: a
historical analysis of the Pombaline teaching reforms
Lizete Shizue Bomura Maciel
Pontifícia Universidade Católica-SP
Alexandre Shigunov Neto
Universidade Federal de Santa Catarina
Abstract
The authors center on a historical period to present a study of
bibliographical character, on which basis they analyze education
in Brazil by focusing specifically on the proposal for educational
reform made by the Marquis of Pombal. Along the analysis they
point to the consequences of the Pombaline reform to Brazilian
and Portuguese education, whose social context included, on the
one hand, Absolutist ideas, and on the other, the Enlightenment
ideas that inspired Pombal. The studies concentrate on Pombal’s
period in government, namely when he, as Ministry of the
Treasure of King José I, tried to carry out reforms in all areas of
the Portuguese society, affecting Brazil as a colony, in an attempt
to give it unity. The critical analysis converges to the conclusion
that the Pombaline reform was disastrous for Brazilian education
and, to a certain extent, also to the Portuguese education
system. This assertion is based on the following issue: the
destruction of the time-honored, consolidated – albeit
questionable from social, historical, and scientific viewpoints –
educational organization of the Jesuit priests, without the
implementation of a new educational proposal capable of
coping with societal needs. Therefore, the criticism that can be
formulated here, and that is valid for the current moment of our
own society, relates to the frequent discontinuities of the
educational policies. However, it must be emphasized that the
substitution of the ecclesiastical methodology of the Jesuits by
the pedagogical thinking of the public, lay school signals the
arrival, in that society, of the spirit of Modernity.
Keywords
Marquis of Pombal – Educational reform – Enlightenment – Public
school.
Contact:
Lizete Shizue Bomura Maciel
Rua Santos Dumont, 2173 – apto.
1201
87013-050 – Maringá – PR
e-mail: newliz@uol.com.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 467
Considerações iniciais
Sebastião José de Carvalho e Melo,
conde de Oeiras, mais conhecido como Marquês
de Pombal, nasceu em 13 de maio de 1699.
Pertencia a uma família da pequena nobreza,
desconhecida, e não relacionada à nobreza portuguesa.
Durante um curto período de tempo,
fez parte do exército e foi membro da Academia
Real de História. Iniciou-se na vida pública
somente a partir de 1738, quando foi nomeado
para desempenhar as funções de delegado
de negócios em Londres.
Segundo Avellar (1983), sua permanência
em Londres criou-lhe uma aversão pelos
ingleses e “[...] seus métodos de dominação
econômica” (p. 9). Tal antipatia pôde ser notada
em suas medidas antibritânicas que visavam
obstinadamente libertar o comércio português da
subordinação ao poderio inglês. O enviado inglês,
em Lisboa, chegou a ponto de realizar o
seguinte comentário: “esse homem tem-nos feito
muito mal” (p. 9). Durante sua duradoura estada
na cidade londrina, Marquês de Pombal não
chegou a aprender o idioma inglês, pois desde
os tratados de Vestfália, em 1648, o idioma francês
era considerado a língua diplomática.
A vida de Marquês de Pombal pode ser
dividida em quatro grandes fases. A primeira é
referente aos seus interesses particulares, isto é,
a fase do cidadão Sebastião José de Carvalho
e que compreende o período de 1699 a 1738.
Nesse momento temporal, o cidadão dedica-se
exclusivamente aos interesses de pequeno fidalgo.
Encerra tal fase com a tentativa frustrada de
compor o Conselho de Fazenda do rei D. João
V. A segunda é a fase diplomática, relativa ao
período de 1738 a 1749, em que exerce suas
funções diplomáticas em Londres e Viena. A
terceira corresponde à fase governativa e esta
se torna a mais importante de sua vida, pois, no
reinado de D. José I1 , que durou de 1750 a
1777, acabou por dirigir os negócios do país.
A última fase refere-se ao período do exílio,
compreendido entre a morte de D. José I, em
1777, e sua própria morte, em 1782.
Marquês de Pombal, de acordo com
Rêgo (1984) e Serrão (1982), foi fortemente
influenciado em sua formação política, quando
de sua passagem em Viena como diplomata
(1745-1749), uma vez que se pode
[...] afirmar que foi nessa capital do espírito
que o ministro português, em contato com o
mundo da política e da diplomacia, bebeu os
grandes princípios do Despotismo Iluminado
que haveria de aplicar no seu regresso ao país.
E de lá trouxe igualmente, no entender de Maria
Alcina Ribeiro Correia, as idéias econômicas
e culturais que serviram de trave-mestra do seu
governo. (Serrão, 1982, p. 22)
A formação de Pombal também sofreu
influência da política econômica inglesa, pois
procurou as soluções da crise portuguesa no
modelo inglês. Contudo, um dos motivos pelos
quais não obteve o êxito esperado foi pela existência
de uma contradição fundamental: a diferença
no sistema político dos dois países. Em
Portugal, estava presente o absolutismo e, na
Inglaterra, o sistema instituído era o parlamentar.
Ao assumir o cargo de ministro da Fazenda
do rei D. José I, em 2 de agosto de 1750,
no lugar de Azevedo Coutinho, Pombal empreendeu
reformas em todas as áreas da sociedade
portuguesa: políticas, administrativas, econômicas,
culturais e educacionais. Essas reformas
exigiam um forte controle estatal e eficiente
funcionamento da máquina administrativa e foram
empreendidas, principalmente, contra a
nobreza e a Companhia de Jesus, que representavam
uma ameaça ao poder absoluto do rei.
A Companhia de Jesus, ordem religiosa
formada por padres (conhecidos como jesuítas), foi
fundada por Inácio de Loyola em 1534. Os jesuítas
tornaram-se uma poderosa e eficiente congregação
religiosa, principalmente, em função de seus
princípios fundamentais: busca da perfeição huma-
1.D. José I (1714-1777), filho e sucessor de D. João V, casou-se com D.
Mariana Vitória e teve quatro filhas (D. Maria I, D. Maria Ana, D. Maria
Francisca Dorotéia e D. Maria Francisca Benedita). Recebeu grande colaboração
e influência, em seu governo, do Marquês de Pombal.
468 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
na por intermédio da palavra de Deus e a vontade
dos homens; obediência absoluta e sem limites
aos superiores; disciplina severa e rígida; hierarquia
baseada na estrutura militar; valorização da aptidão
pessoal de seus membros. Tiveram grande
expansão nas primeiras décadas de sua formação,
constatada pelo crescimento de seus membros. Em
1856, eles contavam com mil membros e, em
1606, esse número cresceu para treze mil. A Ordem
dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins
educacionais; ademais, é provável que no começo
não figuravam esses fins entre os seus propósitos,
uma vez que a confissão, a pregação e a
catequização eram as prioridades. Os ‘exercícios
espirituais’ transformaram-se no principal recurso,
os quais exerceram enorme influência anímica e
religiosa ente os adultos. Todavia, pouco a pouco,
a educação ocupou um dos lugares mais importantes,
senão mais importante, entre as suas atividades.
A Companhia de Jesus foi fundada em pleno
desenrolar do movimento de reação da Igreja
Católica contra a Reforma Protestante, podendo ser
considerada um dos principais instrumentos da
Contra-Reforma nessa luta. Tinha como objetivo
sustar o grande avanço protestante da época e,
para isso, utilizou-se de duas estratégias: a educação
dos homens e dos indígenas; e a ação
missionária, por meio das quais procuraram converter
à fé católica os povos das regiões que estavam
sendo colonizadas.
Teixeira Soares (1961) apresenta como
problemas fundamentais da administração do
Governo de D. João I2 , antecedente do governo
de D. José I, e que vieram a ser combatidas
pelo Marquês de Pombal: o apego à rotina,
evitando a realização de reformas necessárias e
úteis ao funcionamento da estrutura administrativa
do Estado, principalmente, em relação
ao regime fazendário e à administração ultramarina;
o desinteresse pela instrução pública,
que na Coroa portuguesa era um privilégio dos
nobres e da burguesia; o obscurantismo existente
em todos os níveis do governo e que
dificultaram as reformas necessárias.
Avellar, ao analisar as reformas empreendidas
por Marquês de Pombal, avalia que este
possuía um profundo conhecimento da realidade
portuguesa, motivo pelo qual pretendia efetivar
uma reformulação cultural, política e econômica
na sociedade portuguesa. Portanto,
[...] é o reconhecimento de que o insucesso de
aspectos de sua administração se deve a fator
sobre o qual não poderia o Ministro exercer
controle seguro. Assim mesmo, não se poderá
afirmar que descurasse da consciência nacional,
se laicizou a administração, e fez pontos de
apoio de sua temática econômica a idéia de libertar
o comércio da regulação britânica, a da
necessidade de proteger e desenvolver a indústria
nacional e, de sua programática educacional,
a indispensabilidade de retornar os estudos
menores e superiores, impulsionar o ensino profissional
(aulas de comércio e artilharia), bem
como, de seu breviário social, libertar o negro
no Reino e o índio no ultramar, salvando, com
a erradicação da administração comunal
jesuítica no Estado do Maranhão, a unidade
lingüística do Brasil, como vários autores já
proclamaram. (1983, p. 12)
Para atingir um de seus objetivos, a
transformação da nação portuguesa, Marquês
de Pombal precisaria inicialmente fortalecer o
Estado e o poder do rei. Isso seria possível por
meio do enfraquecimento do prestígio e poder
da nobreza e do clero que, tradicionalmente,
limitavam o poder real. Assim, como afirma
Ribeiro (1998, p. 30), o então ministro “orientava-
se no sentido de recuperar a economia por
intermédio de uma concentração do poder real
e de modernizar a cultura portuguesa”.
Marquês de Pombal, ao assumir o cargo
de Ministro, formulou e implementou reformas
administrativas, visando tornar mais ágil e
eficiente a máquina administrativa do Estado e
2. D. João I (1357-1433) era filho bastardo do rei D. Pedro e de Teresa
Lourenço. Governou Portugal de 1385 até sua morte em 1433. Para Serrão
(1982), D. João I foi o maior rei português do século XV e um dos maiores
de toda história portuguesa. Ficou famoso por sua ‘firmeza governativa e
pela visão política’, as quais mostram a presença de sinais do Estado
moderno em formação.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 469
aumentar a arrecadação. Ainda no campo das
reformas administrativas e econômicas, pretendia
com essas medidas dinamizar a economia
nacional e incentivar o desenvolvimento das
indústrias e das companhias de comércio –
surgiram indústrias têxteis de seda e de lã;
chapéu; tapetes; fundições; cerâmicas; laticínios;
vidros; sabão; entre outras. Contudo, suas
tentativas de consolidar um pólo industrial forte
e em condições de competir, no mercado interno
e externo, durou pouco. Isso ocorreu porque
muitas indústrias tiveram curto período de
funcionamento em virtude da pequena demanda
do mercado interno, que optaram por produtos
manufaturados ingleses, de melhor qualidade
que os produtos portugueses. Há ainda
que se destacar que Pombal descuidou-se da
política agrícola, dando pouca atenção aos seus
problemas.
As reformas do Marquês de Pombal
também atingiram a colônia brasileira, ao visar
a reformulação dos serviços públicos por meio,
principalmente, do combate à sonegação de
impostos. Sua preocupação orientava-se no
sentido de proporcionar uma unidade, um conjunto
à colônia brasileira. Foi durante o seu
governo que a cidade do Rio de Janeiro teve
um extraordinário desenvolvimento, com destaque
para seu porto e o aumento da população.
Entretanto, o recorte deste estudo deter-se-á
mais especificamente nos atos educacionais de
sua administração.
Marquês de Pombal e as
reformas educacionais
A partir do século XVI, a direção do
ensino público português desloca-se da Universidade
de Coimbra para a Companhia de Jesus,
que se responsabiliza pelo controle do ensino
público em Portugal e, posteriormente, no Brasil.
Praticamente, foram dois séculos de domínio
do método educacional jesuítico, que termina
no século XVIII, com a Reforma de Pombal,
quando o ensino passa a ser responsabilidade da
Coroa Portuguesa.
Segundo Falcon (1993), a análise de
historiadores e pesquisadores acerca das obras
e da vida de Marquês de Pombal pode ser
constituída de seis momentos bem próprios: no
primeiro, encontram-se os seus contemporâneos;
no segundo, surgem os admiradores e os
críticos imediatos de suas obras; no terceiro,
estão os liberais e o mito do liberalismo
pombalino; no quarto, encontram-se os conservadores
e o mito da tirania pombalina; no
quinto, estão os estudos e as investigações
apresentadas por pesquisadores e historiadores
durante a primeira metade do século XX; no
sexto e último momento, iniciado em 1945,
encontram-se as análises mais recentes.
[...] ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos
são examinados como se não houvesse um outro
caminho entre a alternativa que então se propôs:
jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os
jesuítas representam para os historiadores tudo o
que há de antimoderno e Pombal, com seus homens,
a autêntica antecipação das aspirações
modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os termos
desta alternativa constituem um dos mais
graves impedimentos para a justa compreensão de
um dos momentos mais lúcidos da história lusitana.
(Carvalho, 1978, p. 29)
Na administração de Pombal, há uma
tentativa de atribuir à Companhia de Jesus todos
os males da Educação na metrópole e na colônia,
motivo pelo qual os jesuítas são responsabilizados
pela decadência cultural e educacional imperante
na sociedade portuguesa.
Carvalho (1978) chama a atenção para
o fato de que esse processo, denominado de
antijesuitismo, representava uma atitude presente
em muitos países europeus, não sendo
exclusividade de Portugal. Nesse sentido, os
jesuítas representavam um obstáculo e uma
fonte de resistência às tentativas de implantação
da nova filosofia iluminista que se difundia
rapidamente por toda a Europa.
Serrão (1982) e Almeida (2000) explicam
que o ódio do Marquês de Pombal aos
470 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
jesuítas ficou expresso em documentos oficiais
da época. Nesse sentido, Carvalho afirma que
[...] o tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à
Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos
opiniáticos de uma posição sistemática previamente
traçada. Fatores vários e complexos, de ordem social,
política e ideológica, influíram decisivamente
na evolução de uma questão que ainda hoje apaixona
e obnubila a visão dos espíritos mais esclarecidos.
Na brevidade desta forma de ideal político
nacional – a conservação da união cristã e da sociedade
civil – se condensa toda uma filosofia com
objetivos claramente definidos, responsável, aliás,
de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos
vícios do despotismo imperante. (1978, p. 32)
Tal espírito antijesuítico está expresso,
em última análise, na atribuição à Companhia
de Jesus de todos os males da Educação na
metrópole e na colônia brasileira, bem como
pela decadência cultural e educacional dominante
na sociedade portuguesa.
As principais medidas implantadas pelo
marquês, por intermédio do Alvará de 28 de junho
de 1759, foram: total destruição da organização
da educação jesuítica e sua metodologia de ensino,
tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição
de aulas de gramática latina, de grego e de retórica;
criação do cargo de ‘diretor de estudos’ –
pretendia-se que fosse um órgão administrativo de
orientação e fiscalização do ensino; introdução das
aulas régias – aulas isoladas que substituíram o
curso secundário de humanidades criado pelos jesuítas;
realização de concurso para escolha de
professores para ministrarem as aulas régias; aprovação
e instituição das aulas de comércio.
Inspirado nos ideais iluministas,
Pombal empreende uma profunda reforma educacional,
ao menos formalmente. A metodologia
eclesiástica dos jesuítas é substituída pelo pensamento
pedagógico da escola pública e laica.
É o surgimento do espírito moderno que,
[...] marcando o divisor das águas entre a pedagogia
jesuítica e a orientação nova dos modeladores
dos estatutos pombalinos de 1772, já
aparecem indícios claros da época que se deve
abrir no século XIX e em que se defrontam essas
duas tendências principais. Em lugar de um sistema
único de ensino, a dualidade de escolas,
umas leigas, outras confessionais, regidas todas,
porém, pelos mesmos princípios; em lugar de
um ensino puramente literário, clássico, o desenvolvimento
do ensino científico que começa a
fazer lentamente seus progressos ao lado da
educação literária, preponderante em todas as
escolas; em lugar da exclusividade de ensino de
latim e do português, a penetração progressiva
das línguas vivas e literaturas modernas (francesa
e inglesa); e, afinal, a ramificação de tendências
que, se não chegam a determinar a
ruptura de unidade de pensamento, abrem o
campo aos primeiros choques entre as idéias
antigas, corporificadas no ensino jesuítico, e a
nova corrente de pensamento pedagógico, influenciada
pelas idéias dos enciclopedistas franceses,
vitoriosos, depois de 1789, na obra escolar
da Revolução. (Azevedo, 1976, p. 56-57)
A introdução dos ideais iluministas3 , nas
ciências e em específico na Educação, se processa
de acordo com as condições sociais da época.
Boto analisa que a partir do século XVIII há
[...] uma intensificação do pensamento pedagógico
e da preocupação com a atitude educativa.
Para alguns filósofos e pensadores do movimento
francês, o homem seria integralmente tributário
do processo educativo a que se submetera. A
educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva
totalizadora e profética, na medida em que, por
intermédio dela, poderiam ocorrer as necessárias
reformas sociais perante o signo do homem pedagogicamente
reformado. (1996, p. 21)
3. Para Carvalho (1978), o iluminismo português pode ser caracterizado
diferentemente do modelo encontrado nas demais reações européias (França,
Inglaterra, Alemanha), pois apresenta algumas peculiaridades. Entretanto,
apesar de reconhecer as peculiaridades presentes em cada nação,
foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica preocupada com
os problemas sociais e com as intenções de reformulação das instituições
e da cultura social.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 471
Para o ideal iluminista, a nova sociedade
exige um novo homem que só poderá ser formado
por intermédio da Educação. Assim, apesar de o
ensino jesuítico ter sido útil às necessidades do
período inicial do processo de colonização do
Brasil, já não consegue mais atender aos interesses
dos Estados Modernos em formação. Surge,
então, a idéia de Educação pública sob o controle
dos Estados Modernos. Portanto, a partir desse
momento histórico, o ensino jesuítico se torna
ineficaz para atender às exigências de uma sociedade
em transformação.
Para o discurso do movimento iluminista
e, mais especificamente, do Marquês de Pombal,
a educação e o direito são importantíssimos porque
ambos são os centros de tais pensamentos.
Importa considerar que a renovação pedagógica,
pretendida pelo Marquês de Pombal,
não é exclusividade de seu governo, pois desde
o reinado de D. João V até o governo de D. Maria
I, encontram-se os traços desse movimento
Iluminista, como afirmam Serrão (1982), Carvalho
(1978), Holanda (1993) e Ribeiro (1998).
[...] as reformas pombalinas da instrução pública
constituem expressão altamente significativa
do iluminismo português. Nelas se encontra
consubstanciado um programa pedagógico que,
se por um lado, representa o reflexo das idéias
que agitavam a mentalidade européia, por outro,
traduz, nas condições da vida peninsular,
motivos, preocupações e problemas tipicamente
lusitanos. (Carvalho, 1978, p. 25)
Para Ribeiro, fica evidenciado que
[...] as ‘reformas pombalinas’ visavam transformar
Portugal numa metrópole capitalista, a
exemplo do que a Inglaterra já era há mais de
um século. Visavam, também, provocar algumas
mudanças no Brasil, com o objetivo de
adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pretendida
em Portugal. (1998, p. 35)
Verifica-se, portanto, uma nova ordem
social, um novo modelo de homem, uma nova
sociedade pautada nos valores do sistema de
produção pré-capitalista.
Marquês de Pombal, ao propor as reformas
educacionais – por intermédio da aprovação
de decretos que criariam várias escolas e
da reforma das já existentes –, estava preocupado,
principalmente, em utilizar-se da instrução
pública como instrumento ideológico e,
portanto, com o intuito de dominar e dirimir a
ignorância que grassava na sociedade, condição
incompatível e inconciliável com as idéias
iluministas (Santos, 1982).
Almeida (2000) e Ribeiro (1998) concordam
que o grande empecilho para a concretização
desses objetivos foi a falta de homens capacitados
para o ensino elementar e primário, ou seja, havia,
tanto na metrópole quanto na colônia, uma grande
carência de professores aptos ao exercício da função
de ensinar.
Frente a esse contexto, pode-se afirmar
que Pombal, ao expulsar os jesuítas e oficialmente
assumir a responsabilidade pela instrução
pública, não pretendia apenas reformar o sistema
e os métodos educacionais, mas colocá-los
a serviço dos interesses político do Estado. Segundo
Haidar, buscou-se:
[...] criar a escola útil aos fins do estado, e nesse
sentido, ao invés de preconizarem uma política
de difusão intensa e extensa do trabalho
escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar
a escola que, antes de servir aos interesses
da fé, servisse aos imperativos da Coroa.
(1973, p. 38)
Pelo Alvará de 5 de abril de 1771,
Pombal transfere a administração e a direção
do ensino para a Real Mesa Censória, órgão
criado em abril de 1768, com a qual pretendia
efetivar a emancipação do controle absoluto
dos jesuítas no ensino, passando, então, ao
controle do Estado. Após esse ato, foram criadas,
no Brasil, 17 aulas de ler e escrever; e foi
instituído um fundo financeiro para a manutenção
dos estudos reformados, denominado de
subsídio literário. Uma das implicações do
472 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
desmantelamento da organização educacional
jesuítica e da falta de implantação de um projeto
educacional formal e eficaz foi a demora
em instituir-se, no Brasil colônia, as escolas
com cursos graduados e sistematizados (1776).
Almeida (2000) destaca uma questão
importante para a compreensão da instrução
pública no Brasil colônia: a tentativa da Coroa
portuguesa e do governo colonial local em
abrandar o desenvolvimento da instrução pública
da população brasileira. Tal atitude justificava-
se, pois se pretendia reprimir a expansão do
espírito nacionalista que começava a aflorar
entre a população.
Consegue-se, portanto, verificar a presença,
desde muito cedo, de uma característica
marcante da Educação brasileira – ‘a destruição
e substituição das antigas propostas educacionais
em favor de novas propostas’. Assim, constata-se
que, de uma maneira geral, no Brasil, não há uma
continuidade nas propostas educacionais implantadas.
A expulsão dos jesuítas e a total destruição
de seu projeto educacional podem ser consideradas
como o marco inicial dessa peculiaridade tão
arraigada na Educação brasileira.
Segundo Holanda, com a expulsão dos
jesuítas,
[...] a instrução pública em Portugal e nas colônias,
foi duramente atingida. Desapareceram os colégios
mantidos pela Companhia de Jesus que constituíam
então os principais centros de ensino. Urgia, portanto,
a adoção de providências capazes de, pelo
menos, atenuar os inconvenientes da situação criada
com as drásticas medidas administrativas de
Sebastião de Carvalho e Melo. O terreno para a
implantação de novas idéias pedagógicas, entretanto,
já havia sido preparado, com vária sorte, pelos
esforços isolados de alguns homens de ciência e de
pensamento, entre os quais figuravam o singular
Luís Antônio Verney e os padres da Congregação
do Oratório de São Felipe Néri. (1989, p. 80-81)
Pode-se notar que a intenção e a tentativa
de isentar o Estado de sua responsabilidade
por meio de artimanhas, projetos e impostos
para financiamento da Educação não é nova
e não é exclusividade de governos contemporâneos.
Também, pode-se notar a presença, já
nessa época, de dois tipos de escolas (uma
para os filhos da nobreza e burguesia e outra
para os grupos sociais menos abastados) e de
políticas educacionais que privilegiavam o ensino
particular, com apoio do Estado.
Para Teixeira Soares, mais importante do
[...] que a reforma e modernização da Universidade
de Coimbra foi o Alvará de 06 de novembro
de 1772, que institui o ensino popular a ser
dado nas escolas públicas. Pombal não ficou
apenas no texto da lei. Passou de imediato à
fundação de escolas, que deveriam completar
um total de 479. A lei determinou que o ensino
popular poderia também ficar a cargo de particulares,
que para tanto contariam com apoio
do Estado no prelecionamento das seguintes
matérias: ortografia, gramática, aritmética,
doutrina cristã e educação social e cívica (‘civilidade’).
O ensino secundário daria ênfase especial
ao latim, grego e francês. Ao mesmo tempo
em que cuidava do ensino popular, fundou o
‘Colégio dos Nobres’, seminário dedicado à educação
de filhos da nobreza; e, para manter o
equilíbrio social e educacional, fundou também
o Colégio de Mafra, destinado à educação dos
plebeus, com programa idêntico ao reservado
aos filhos da nobreza. [...] O primeiro-ministro
criou um imposto especial destinado à manutenção
e ampliação das escolas fundadas (lei de
10 de novembro de 1772). (1961, p. 218)
O ministro Pombal pretendia promover
a substituição dos tradicionais métodos pedagógicos
instituídos pela Companhia de Jesus
por uma nova metodologia educacional, condizente
com sua realidade e o momento histórico
vivenciado. Pretendia, portanto, que as
escolas portuguesas tivessem condições de
acompanhar as transformações que estavam
ocorrendo naquele momento.
Marquês de Pombal pretendia, com a
aprovação desse alvará, promover a substituição dos
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 473
tradicionais métodos pedagógicos instituídos pela
Companhia de Jesus por uma nova metodologia
educacional, considerada moderna e, portanto,
condizente com os ideais iluministas.
Almeida (2000), apesar de reconhecer a
obra do Marquês de Pombal relativa à instrução
pública, não deixa de mencionar que após
a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil e
da destruição de sua obra educacional, outras
ordens religiosas tentaram continuar a obra
iniciada pelos padres jesuítas, contudo, sem
grande êxito. Além disso, considera que o êxito
do projeto educacional jesuítico deve-se, em
parte, às habilidades dos padres ao desempenharem
a função de professores, pois ‘mantiveram
numerosas escolas dirigidas por professores
verdadeiramente hábeis’.
Tanto Carvalho (1978) como Avellar
(1983) e Ribeiro (1998) concordam que o conteúdo
da reforma pombalina, sob a égide de seus
principais inspiradores, Luís Antonio Verney4 , Ribeiro
Sanches5 e Antônio Genovessi, considerados
pensadores modernos, trazem traços do ensino
tradicional, isto é, eclesiástico. Portanto, não
houve uma ruptura total com o ensino jesuítico,
pois a mudança ocorrida foi mais de conteúdo do
que de método educacional.
Falcon afirma que
[...] a partir de Verney, o reformismo ilustrado,
apoiado no otimismo jurídico que o caracteriza,
entra na ordem do dia. A secularização constitui
seu traço dominante. A fé no progresso, a ênfase
dada à razão e a crença no poder quase mágico
das ‘Luzes’ completa o ideário. (1993, p. 364)
‘O verdadeiro método de estudar’, de
Luís Antonio Verney, pretendia opor-se ao
método pedagógico dos jesuítas. A obra, que
na realidade eram dezesseis cartas escritas em
Roma e publicadas no período de 1746-1747,
apresenta uma análise sobre os problemas do
ensino português ministrado, até então, pela
metodologia dos jesuítas; além disso, fornece
orientações de como proceder para adequá-los e
torná-los condizentes com a nova realidade.
Cada carta trata de um determinado
tema e, no conjunto, compõem as disciplinas
da proposta pedagógica de Verney: primeira
carta – a língua portuguesa; segunda carta – o
latim; terceira carta – o grego e o hebraico;
quarta carta – as línguas modernas; quinta
carta – a retórica; sexta carta – continua a
análise sobre o ensino da retórica; sétima carta
– a poesia portuguesa; oitava carta – a filosofia;
nona carta – a metafísica; décima carta
– a lógica/física; décima primeira carta – a
ética; décima segunda carta – a medicina;
décima terceira carta – a jurisprudência como
prolongamento natural da moral; décima quarta
carta – a teologia; décima quinta carta – o direito
econômico; décima sexta carta – apresenta
uma seqüência de planos de estudos: os estudos
elementares, a gramática, o latim, a retórica, a filosofia,
a medicina, o direito, a teologia e termina
com o apêndice sobre ‘o estudo das mulheres’.
Seu projeto pedagógico está constituído
de algumas dessas propostas, tais como: secularização
do ensino; valorização da língua portuguesa;
papel e importância do estudo do latim,
realizado por intermédio da língua portuguesa
(uma das razões do estudo do latim era a possibilidade
de simplificar e abreviar a duração dos
estudos); redução do número de anos destinados
aos estudos nos níveis de ensino inferiores, visando
fundamentalmente aumentar o número de
ingressos nos cursos superiores; apresentação de
um plano de estudos para todos os níveis de
ensino, do fundamental (que se inicia a partir dos
sete anos de idade) até os níveis superiores de
ensino; disciplinas que compõem sua proposta
pedagógica são, em sua maioria, literárias, tais
como: português, latim, retórica, poética e filosofia
(lógica, moral, ética, metafísica e teologia), direito
(direito civil e direito canônico), medicina
4. Luís Antonio Verney (1713-1792) nasceu na cidade de Lisboa. Oriundo
de uma família francesa de boas condições financeiras, não possuía
prestígio social por ser uma família estrangeira. É considerado o mais
importante difusor do espírito iluminista da cultura portuguesa.
5. António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) nasceu na cidade de
Pernamacor e pertencia a uma família de cristãos-novos. Estudou na Guarda,
em Coimbra e em Salamanca; formou-se em medicina; e foi escritor.
Sua obra mais famosa foi ‘Cartas sobre a educação da mocidade’.
474 Lizete MACIEL e Alexandre SHIGUNOV NETO. A educação brasileira no período pombalino:...
(anatomia), grego, hebreu, francês, italiano, anatomia,
física (aritmética e geometria); proposta de
escola pública e gratuita para toda a população
portuguesa, como medida de reduzir o analfabetismo
da sociedade portuguesa.
Assim, reivindica a abertura de escolas
públicas em todos os bairros para que ninguém
ficasse sem freqüentá-las; recomenda uma transformação
de comportamento dos professores em
relação aos seus alunos, visando a melhoria da
relação professor/aluno; recomenda que a universidade
deva ser aberta à comunidade e aos membros
da comunidade, mesmo sem serem do meio
acadêmico, para assistirem às aulas ministradas;
sugere a criação de colégios para pobres, a fim de
capacitá-los com hábitos do mundo burguês e da
nobreza; também apresenta algumas considerações
sobre a educação das mulheres. Considera
importante que as mulheres freqüentem as escolas
para adquirirem conhecimentos necessários à
administração do lar.
A importância da obra de Verney, segundo
o pensamento da época, pode ser destacada
na análise realizada por Falcon:
[...] reside não propriamente no seu ‘conteúdo’,
mas no espírito que as acompanham e na ruptura
que representam. [...] O espírito a que nos referimos
é o da crítica irônica, muitas vezes satírica,
ao ensino existente em Portugal, em todos os níveis,
tanto no seu conteúdo quanto nos seus métodos,
crítica que é também à cultura portuguesa
com um todo. Tratava-se, em suma, de demonstrar
que, em qualquer direção que se olhasse, Portugal
estava atrasada, distanciando do que se
passava nos centros civilizados. (1993, p. 331)
Segundo Ribeiro (1998), essa nova organização
do ensino português é considerada um
retrocesso se vista sob o prisma pedagógico e um
avanço na medida em que exigiu novos métodos
e a adoção de novos livros. Foi durante o reinado
de D. José I que se evidenciou uma grande
difusão do livro como agente de cultura.
Importa lembrar que, apesar das propostas
formais, as reformas pombalinas nunca
conseguiram ser implantadas, o que provocou
um longo período (1759 a 1808) de quase
desorganização e decadência da Educação na
colônia. Desse modo,
[...] a expulsão dos jesuítas em 1759 e a transplantação
da corte portuguesa para o Brasil em
1808, abriu-se um parêntese de quase meio século,
um largo hiatus que se caracteriza pela
desorganização e decadência do ensino colonial.
Nenhuma organização institucional veio, de
fato, substituir a poderosa homogeneidade do
sistema jesuítico, edificado em todo o litoral
latifundiário, com ramificações pelas matas e
pelo planalto, e cujos colégios e seminários forma,
na Colônia, os grandes focos de irradiação
da cultura. (Azevedo, 1976, p. 61)
Carvalho, caracteriza, desta maneira,
Luís Antonio Verney:
[...] nenhum, entretanto, tão ilustre como Verney,
pela universalidade do plano concebido e pela
ambição por que procurou, por intermédio de suas
obras, realizar o programa planejado quase no verdor
dos anos. É neste sentido que Luís Antonio
Verney é um pedagogo e, enquanto pedagogo, ‘um
iluminista’ na medida em que o iluminismo é uma
forma de pensar comum de homens que, em atitudes
diversas de pensamento, procuram fazer da
cultura um instrumento do progresso e da perfeição
das sociedades e dos homens. Em Verney, não
há apenas o programa de uma reforma sobre os
estudos; há ainda a consciência da necessidade do
desdobramento de uma tarefa pedagógica, realizando
na ordem prática as diretrizes que o conhecimento
das realidades portuguesas e das conquistas
recentes da cultura impunham como propósito
preliminar de uma política destinada a ‘iluminar’
verdadeiramente a nação lusitana. (1978, p. 61-62)
Considerações finais
Todos os males da educação, na metrópole
e na colônia, foram atribuídos à Companhia
de Jesus, durante a administração do
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-476, set./dez. 2006 475
Ministro Marquês de Pombal. Destaca-se aqui
a luta entre o velho e o novo modelo, dentro
de uma análise histórica.
O novo, presente na sociedade, está
inspirado nos ideais iluministas e é dentro desse
contexto que Pombal, na sua condição de ministro,
buscou empreender uma profunda reforma
educacional, ao menos formalmente. Nos
propósitos transformadores, estavam previstas
algumas mudanças. A metodologia eclesiástica
dos jesuítas foi substituída pelo pensamento
pedagógico da escola pública e laica; criação
de cargos como de diretor de estudos, visando
a orientação e fiscalização do ensino; introdução
de aulas régias, isto é, aulas isoladas, visando
substituir o curso de humanidades criado
pelos jesuítas. Todas essas propostas foram
frutos das condições sociais da época, a partir
das quais, Pombal pretendia oferecer às escolas
portuguesas condições de acompanhar as
transformações de seu tempo. Nesse sentido, as
novas propostas educacionais dele refletiam e
expressavam o ideário do movimento iluminista.
No Brasil, entretanto, as conseqüências
do desmantelamento da organização educacional
jesuítica e a não-implantação de um novo
projeto educacional foram graves, pois, somente
em 1776, dezessete anos após a expulsão
dos jesuítas, é que se instituíram escolas com
cursos graduados e sistematizados.
A reforma de ensino pombalina pode ser
avaliada como sendo bastante desastrosa para a
Educação brasileira e, também, em certa medida
para a Educação em Portugal, pois destruiu uma
organização educacional já consolidada e com
resultados, ainda que discutíveis e contestáveis, e
não implementou uma reforma que garantisse um
novo sistema educacional. Portanto, a crítica que
se pode formular nesse sentido, e que vale para
nossos dias, refere-se à destruição de uma proposta
educacional em favor de outra, sem que esta tivesse
condições de realizar a sua consolidação.
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Recebido em 13.08.05
Modificado em 30.06.06
Aprovado em 16.10.06
Lizete Shizue Bomura Maciel é mestre e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/
SP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Preconceito e Exclusão (UEM). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Formação de Professores (UEM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
Alexandre Shigunov Neto é administrador formado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em
Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UEM. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).