domingo, 18 de outubro de 2009

EDUCAÇÃO JESUÍTICA NA BAHIA COLONIAL

ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL.
Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394.
Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais
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EDUCAÇÃO JESUÍTICA NA BAHIA COLONIAL: COLÉGIO URBANO, INTERNATO EM SEMINÁRIO, NOVICIADO
Antonietta d´Aguiar Nunes
Historiógrafa do Arquivo Público do Estado da Bahia
Prof. Adjunto de História da Educação – FACED / UFBa
antoniettaan@terra.com.br
A Companhia de Jesus
Dentro do espírito de reforma da própria Igreja Católica na época do Renascimento, foi criada a Companhia de Jesus fundada pelo espanhol Inácio de Loyola e seis colegas seus: Pedro Fabro, de Savóia – o único que já era sacerdote na ocasião – Francisco Xavier, de Navarra; Simão Rodrigues, português; mais os espanhóis: Nicolau de Bobadilha, Diogo Laínez e Afonso Salmerón, todos bolsistas do governo português no colégio de Santa Bárbara em Paris. Tinham o objetivo de auxiliar a Igreja e o papa no combate aos hereges e na conversão dos infiéis (CASIMIRO,2004,p.119), e foram aprovados em 27 de setembro de 1540 pela bula Regimini Militantis Ecclesiae, do papa Paulo III.
Esta Ordem se vinculava diretamente à autoridade papal, distanciando-se da hierarquia comum da Igreja. Não se retiravam em conventos, mas misturavam-se aos fiéis, no mundo, e por isto eram considerados padres seculares. Por pretender propagar a fé os jesuítas se espalharam pelo mundo: na própria Europa, assolada por heresias como nos novos mundos descobertos: África, Ásia e América. Logo descobriram ser mais segura a conquista das almas jovens e se dedicaram à ação pedagógica (ARANHA,1996,p.91). A Companhia de Jesus, destaca Tobias (1986,p.40), consagrar-se-ia à salvação das almas através do ensino, mas sobretudo do ensino médio e universitário, podendo-se afirmar que seu ensino se dirigia – sobretudo na Europa - às elites, que se concentraram no ensino superior. Com grande brevidade a Companhia de Jesus cresceu em número e poder, e seus colégios se multiplicaram por toda a Europa. Rapidamente rivalizaram com as escolas e universidades dos países protestantes e durante dois séculos dominaram a educação secundária e superior em terras católicas (EBY,1976,p.94).
Desde que criaram a Ordem, os jesuítas principiaram um intenso trabalho apostólico tendo como base os Exercícios Espirituais elaborados por Inácio de Loyola. Os Exercícios Espirituais e as Constituições da Companhia de Jesus, também por ele redigidas em 1556, formaram, com o posterior Ratio atque Institutio Studiorum Societas Iesu, os três documentos que deram as principais diretrizes e garantiram a uniformidade da prática pedagógica dos jesuítas em toda a sua ação missionária e doutrinária (CASIMIRO,2004,p.116,119,121,122 e 125).
Os jesuítas estiveram sempre dentro do espírito de reforma religiosa e corresponderam às novas diretrizes emanadas do Concílio de Trento, convocado pelo papa
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Paulo III em 1545 (apenas encerrado em 1563, e cujos vários decretos e medidas foram confirmados em 1564).
Em 1540, a pedido do rei D. João III (reinou de 1521 a 1557), foram para Lisboa os jesuítas Francisco Xavier e Simão Rodrigues. Eles ficaram de início como professores dos príncipes, nos palácios reais. Em 1541 D. João III enviou para o Oriente a Francisco Xavier, na esquadra do vice-rei da Índia, Martim Afonso de Souza (FERREIRA,1966,p.5-7).
Em 1542 D. João III cedeu o mosteiro de Santo Antão, em Lisboa, para a instalação dos jesuítas em Portugal e eles aí criaram um colégio para os irmãos da Companhia neste mesmo ano de 1542, aberto para o público só em fevereiro de 1553; ainda neste ano, em agosto, inaugurou-se em Évora o colégio do Espírito Santo, jesuíta, com caráter de escola pública, com mestres chamados do colégio de Coimbra. Este colégio teve a proteção do cardeal d. Henrique, irmão do rei, arcebispo de Évora desde 1540, que desejou fundar uma Universidade nesta cidade. Conseguiu do rei seu irmão a permissão da criação de uma cadeira de Filosofia ou Artes em Évora, instaurada em 1556, e solicitou e obteve do papa permissão para criar uma universidade, podendo lecionar–se aí todas as ciências, exceto: Medicina, Direito Civil e as partes contenciosas do Direito Canônico, que também eram excluídas do ensino ministrado pelos jesuítas nas Constituições elaboradas por Inácio de Loiola. A Universidade de Évora tinha 4 faculdades: Humanidades, Artes ou Filosofia, Teologia e Casos de Consciência (Teologia Moral). Era uma universidade eclesiástica, com a finalidade de formar teólogos; suas aulas se abriram em 1º de outubro de 1559. Estava submetida à autoridade dos jesuítas, em cujo colégio do Espírito Santo ela passou a funcionar (CARVALHO,1996,p.286-8,293-5,298/9,307/8 e 310).
Os jesuítas criaram também em 1542, um Colégio em Coimbra (particular); seu 1º reitor foi o jesuíta espanhol de Valência, Diogo Mirão, que o dirigiu desde seu início em 1542 até maio de 1544 (CARVALHO,1996,p.296). Em 1º de outubro de 1555 os jesuítas substituíram André Gouveia na direção do Real Colégio das Artes de Coimbra, público, e também eles, seguiam os métodos das Escolas de Paris (TOBIAS,1986,p.34). El rei concedeu ainda que este Colégio passasse a ser independente da Universidade de Coimbra e da jurisdição do seu reitor, governando-se apenas pelas leis da Companhia de Jesus. (CARVALHO,1996,p.298).
Plano pedagógico dos jesuítas
Inácio de Loyola, na parte IV das Constituições da Companhia de Jesus que terminou de redigir em 1556 (ano de sua morte), expôs o plano pedagógico que pretendia universalizar nos colégios da Companhia, indicando as disciplinas que deveriam ser estudadas. Por esta legislação escolar se moldaram inicialmente os estabelecimentos da
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Companhia no Brasil. Exigia 5 anos para Letras e 7 para os estudos universitários de Filosofia e Teologia (CALMON,2002,p.76).
Na redação da parte IV das Constituições Inácio de Loyola levou em conta as primeiras experiências pedagógicas de seus companheiros e estatutos de outras universidades que mandou recolher. Expressou aí os princípios pedagógicos jesuíticos e prometeu sua complementação por documento posterior, que veio a surgir mais tarde, com versão definitiva em 1599 (CASIMIRO,2004,p.123).
De fato, em 1581, quando se elegeu o padre Cláudio Aquaviva para Geral dos Jesuítas, nomeou-se uma comissão de 12 membros, encarregada de redigir definitivamente as normas pedagógicas da Companhia; a primeira versão ficou pronta em 1585, foi submetida à experiência de vários mestres e, por fim, foi impressa em 1598 em Nápoles e promulgada para todas as escolas da Companhia por circular de 8 de janeiro de 1599. Era a Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu, mais conhecida simplesmente como Ratio Studiorum que prevaleceu, quase sem alteração até 1832. (CARVALHO, 1996,p.331/2).
O Plano de estudos constava de três cursos: o Curso de Letras, o mais elementar; seguia-se o Curso de Filosofia ou Curso de Artes, e por fim o Curso de Teologia. O Curso de Letras visava a aquisição de uma expressão oral e escrita, elegante, correta e erudita, na língua latina e não na nacional. Dividia-se em 3 partes: Gramática, Humanidades e Retórica. Os estudos de Gramática se organizavam em 3 graus sucessivos: inferior, médio e superior, com classes anuais para cada grau. Os alunos tinham exercícios diários de escrita e composição, na aula e fora dela. A Gramática adotada era a De Institutione Grammatica Libri Tres do jesuíta Manuel Álvares, impressa pela primeira vez em Portugal no ano de 1572, e que ainda se usava no séc. XIX, adotada em toda a Europa para o ensino da língua latina. Em Humanidades visava-se adquirir a beleza da arte e explorava-se a poesia e a prosa dos grandes autores latinos, incluindo o estudo da História, utilizando-se nas aulas seleções de textos latinos, expurgados das palavras que os pedagogos jesuítas entendiam ser prejudiciais à formação moral e intelectual dos estudantes. Na Retórica pretendia-se atingir a eloqüência persuasiva e comovedora do estilo e adotava-se o De Arte Rhetorica Libri Tres ex Aristotele, Cicerone & Quintiliano praecipue de prompti, do jesuíta Cipriano Suárez, editado em Coimbra em 1562 e reeditado em 1575 e 1583; usado até o séc. XVIII. No final deste curso, a Ratio Studiorum propunha que se ministrassem conhecimentos ‘úteis e eruditos´, de Cronologia, História, Geografia, Usos e Costumes, Mitologia e Tecnologia. Possivelmente durava dez anos ao todo este Curso de Letras (CARVALHO,1996,p.334-41). A Retórica tornou-se, na situação pós-tridentina, uma das principais disciplinas do ensino jesuítico, generalizando-se em Portugal como modelo para todas as práticas de representação, ao menos até fins do séc. XVIII. Deveria dar conta de
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três coisas essenciais que, para a época, resumiam e normalizavam toda a educação: os preceitos, o estilo e a erudição, segundo especificava o Ratio Studiorum (HANSEN,2000,p.26).
O Curso de Filosofia ou de Artes seguia-se ao de Letras, que lhe era indispensável preparatório. Aí estudava-se, com a duração de três anos e sete meses, Dialética, Lógica, Física e Metafísica. Para evitar que o professor ditasse a matéria, o jesuíta Jerônimo Nadal, quando veio em 1561 a Portugal como visitador dos colégios, determinou que fosse redigido um Curso de Filosofia encarregando disto 2 jesuítas portugueses e 2 espanhóis; a obra ficou pronta na década de 1590, com 6 volumes e o título comum de Comentários (aos livros de Aristóteles); publicou-se ainda em 1593, a obra de Aristóteles Moral a Nicómaco. O conjunto destas obras didáticas ficou sendo conhecido como “Curso Conimbricense” e os jesuítas, seus autores e divulgadores, designados por conimbricenses. (CARVALHO,1996,p.341-52).
O Curso de Teologia era o mais elevado nível de preparação alcançada nos Colégios da Companhia de Jesus. Tinha a duração de 4 anos, e nele se estudavam Teologia Escolástica, Sagrada Escritura, Hebreu e outras línguas orientais e a Casuística ou “Casos de Consciência”. O autor seguido era São Tomás de Aquino. Os alunos mais capazes e com perspectiva de se tornarem lentes de Teologia, freqüentavam o Curso por mais dois anos (CARVALHO,1996,p.352/3).
Desde 1546 os Colégios jesuítas admitiam estudantes externos e que não pretendiam tornar-se jesuítas. Os que tinham este último desígnio, eram obrigados a cumprir certas regras e seguiam os Cursos até o final do de Teologia; os seculares podiam terminar seus estudos após o Curso de Letras ou o Curso de Filosofia, conforme o que pretendessem fazer depois. No ano de 1548, atendendo ao pedido da cidade de Messina, na Sicília, os jesuítas fundam um colégio para instrução aos externos. O reitor do colégio de Messina, Jerônimo Nadal (1507-74) elaborou em 1551 um Programa de Estudos que serviu, de início, como modelo para outras escolas da Companhia de Jesus (GILES,1987,p.135 e CARVALHO,1996,p.353).
Formação de professores
À Ordem dos Jesuítas se deve atribuir também a introdução da prática de formação de professores. Como julgassem que os métodos de instrução deviam ser absolutamente uniformes para todos os mestres, para garantir tal eficiência, os professores deveriam ser treinados com precisão.
Assim, em 1550 foi fundado em Roma o Colégio Romano destinado a formar professores, e que recebia relatórios das experiências realizadas em todas as partes do mundo. Este Colégio foi muito admirado por Montaigne, quando visitou a Itália. Tornou-se
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uma verdadeira “central pedagógica”, graças à qual os jesuítas puderam empreender uma metódica implantação de colégios em toda a Europa, no quadro da Contra-Reforma.
Depois, também em Roma, foi criado o Colégio Germânico, que se especializou na preparação de padres para as missões na Alemanha (onde havia muitas escolas mantidas pelos príncipes ou pelos municípios com forte influência protestante) (EBY,1976,p.96, DEBESSE,1977,p.212e214, e ARANHA,1996,p.92).
Vinda dos jesuítas para o Brasil
D. João III, dividira em 1534 o território da Terra Brasilis (nome com que aparece em 1519 no mapa de Lopo Homem) em capitanias hereditárias, doadas a fidalgos para que a povoassem e cultivassem. No ano de 1548 este rei resolveu, para facilitar a comunicação dos capitães donatários com a Coroa nos múltiplos casos em que isto era necessário, criar o Estado do Brasil. Nomeou como primeiro Governador Geral Tomé de Souza, encarregado de escolher, na capitania da baía de Todos os Santos, retomada pela Coroa depois do falecimento do seu donatário, um local defensável para construir a cidade que serviria de capital desta nova unidade administrativa.
Acompanhando a armada de Tomé de Souza, D. João enviou os padres jesuítas: Manuel da Nóbrega, que vinha como superior deles; João de Aspilcueta Navarro, Antonio Pires e Leonardo Nunes, mais os irmãos Diogo Jácome e Vicente Rodrigues. Este último foi, no dizer de Alberto Silva (1953,p.34), o primeiro mestre particular de instrução primária que teve o Brasil. Antes mesmo da construída a cidade do Salvador, em 1549, o irmão Vicente Rodrigues já ensinava doutrina aos meninos e tinha escola de ler e escrever na povoação do Pereira, vila criada em 1535 pelo falecido capitão donatário Francisco Pereira Coutinho.
Em expedição portuguesa comandada por Simão da Gama d´Andrade e chegada em 1550 à Bahia (SALVADOR,1931,p.54 e HESSEL/RAEDERS,1972,p.12), veio nova leva de religiosos. Quatro deles eram padres jesuítas portugueses: Afonso Brás, Francisco Pires, Manuel de Paiva e Salvador Rodrigues, e vieram também sete meninos do Colégio de meninos órfãos de Lisboa, pedidos por Nóbrega para ajudar nas escolas e na catequese. Um dentre eles tornou-se mais tarde sacerdote: o padre João Pereira.
Os jesuítas ajudaram a construir com suas próprias mãos a única igreja dentro dos muros fortificados da recém criada cidade do Salvador: a de Nossa Senhora da Ajuda, ao lado da qual construíram uma casa, onde se abrigavam na cidade. Esta igreja serviu logo de paróquia e - quando o Brasil se tornou um bispado em 1551, chegando em1552 o primeiro bispo, e até que se construísse a nova Sé - de primitiva sede do bispado; era conhecida muitas vezes como a “Sé de Palha”, por ter sido construída de taipa de mão e coberta de palha (SAMPAIO,1949, p.190). Com a chegada de d. Pero Fernandes Sardinha,
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padre secular, nosso 1º bispo, não só a Sé, como também a casa dos jesuítas mudaram-se da igreja da Ajuda para outras construções maiores e mais apropriadas, em terrenos fora dos muros da primitiva cidade, doados para estes fins específicos, pelo governador Tomé de Souza.
No ano de 1553 chegou ao Brasil o segundo governador geral, d. Duarte da Costa, e com ele mais sete jesuítas: os padres Luís da Grã, Lourenço Brás e Ambrósio Pires, e os irmãos José de Anchieta (com 19 anos de idade), Antonio Blasques, João Gonçalves e Gregório Serrão (FERREIRA,1966,p.41).
Neste mesmo ano de 1553 a Companhia de Jesus decidiu constituir o Brasil em Província, desvinculando-o da Província de Portugal, a que esteve inicialmente ligado. E Inácio de Loyola nomeou o próprio Manuel da Nóbrega (1517-1570) como o primeiro Provincial. Ele ficou neste posto até 1559, quando o transmitiu ao padre Luis da Grã (1523-1609), em São Vicente.
Instituições escolares no Brasil: colégio urbano e internato em seminário
Depois da chegada dos órfãos vindos de Lisboa, Nóbrega se preocupou com a organização do Colégio dos Meninos de Jesus, já funcionando em 1551. Em 1552 eram três as escolas de instrução elementar existentes na América portuguesa: a da Bahia, a de S. Vicente e a do Espírito Santo, sendo as duas primeiras com aulas de Latim e gramática portuguesa, tendo, portanto, alguns sinais tendentes a escola secundária.
Nóbrega pretendia fundar grandes recolhimentos onde se educassem os mamelucos (filhos de branco com índias), os órfãos e os filhos dos principais da terra para catequizá-los e ensinar-lhes a vida civilizada. Não podendo juntar aí todos os curumins indígenas, aceitavam-se apenas os filhos dos principais caciques. Isto servia para o sossego dos habitantes das vilas onde estavam os colégios e eram um bom salvo-conduto para os missionários jesuítas em suas extensas viagens de catequese direta pelas aldeias do interior do país. Os curumins quando adquiriam o domínio da língua portuguesa, começavam a estudar catecismo da doutrina cristã, e a ler e escrever; segundo os pendores, também canto orfeônico e instrumentos musicais. Concluídos os estudos elementares, iriam para o aprendizado de ofícios mecânicos e os mais dotados e com inclinação para os estudos, passariam para a aula de gramática latina, que correspondia a um curso secundário. Os que se distinguiam nesta última, podiam ganhar uma viagem aos colégios europeus de Coimbra ou Espanha e, eventualmente, recrutar-se-ia entre eles vocações sacerdotais (MATTOS,1958,p.84-6).
E no nível médio, Nóbrega conseguiu a introdução de uma disciplina profissional e outra de princípios práticos de lavoura, matérias supressas, no entanto, depois de sua morte (TOBIAS,1986,p.66).
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Os colégios passaram a funcionar como externatos para os filhos dos moradores, habitando os alunos com seus pais ou tutores. Apenas em fins do séc. XVII o padre Alexandre de Gusmão iniciou um movimento de internatos, fundando o Seminário de Belém da Cachoeira no ano de 1686, que chegou a contar com 80 estudantes, e o qual ele criteriosamente regeu até o ano de 1700 (MACEDO,1918,p.175 e LEITE,1993,p.42).
Na Bahia, foi no ano de 1553 que se teve a primeira classe de Latim, ensinada pelo irmão Antonio Blasques, chegado com a expedição de Duarte da Costa, em companhia de Luís da Grã e do também irmão José de Anchieta. Latim já fazia parte do curso mais elevado de Humanidades ou Letras Humanas, que incluía também Grego, Gramática, Poesia e História. O curso de Latim teve continuidade até 1560 quando, por falta de estudantes, teve as aulas suspensas (FERREIRA,1966,p.68/9). Uma hipótese para esta falta de alunos foi levantada por Mattos (1958,p.56/7) quando julgou que aparentemente os meninos indígenas e mamelucos estranharam a utilização do regime de palmatória - comum em Portugal e na Europa - que o irmão Blasques tentou introduzir, e abandonavam o colégio.
Nas capitanias onde tinham colégios, além das primeiras letras e matemáticas elementares, os jesuítas ensinavam gratuitamente Gramática latina, Filosofia e Teologia dogmática e moral. E no colégio da Bahia, também aulas de Retórica (D´AZEVEDO, 1892,p.142). Os autores lidos nos colégios da América Portuguesa eram, em fins do séc. XVI, os mesmos do Colégio de Évora: obras de Cícero, César, Ovídio, Quinto Cúrcio e Sêneca, a Eneida de Virgílio, a Arte da Gramática Latina do padre Manuel Álvares, a Arte da Retórica do padre Cipriano Soares (HILSDORF,2003,p.9)
No ano de 1604 os jesuítas criaram uma Residência na vila de Ilhéus, mantendo sempre escola de ler, escrever e contar. Em 1760 a “Casa de Ilhéus” já tinha aula de Humanidades, que se firmou definitivamente depois na segunda década do século XVIII (MOURA,2000,p.43).
Em Porto Seguro, onde os jesuítas já haviam trabalhado, restabeleceu-se em 1621 uma Residência da Companhia de Jesus, onde se abriu uma escola de ler, escrever e contar e se começaram estudos de Humanidades. Havia a esperança de se tornar colégio, mas não houve alunos suficientes e os alunos daí quando desejassem, seguiam seus estudos em Salvador (MOURA, 2000,p. 43/4).
Em 1686, como visto, abriu-se um seminário com internato em Belém da Cachoeira, no Recôncavo Baiano onde os alunos seriam instruídos no curso de Humanidades e educava-se para a piedade cristã. Foi o primeiro colégio interno no Brasil (MOURA,2000,p.45). Aí apenas se ensinava a ler, escrever, contar, Gramática e
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Humanidades. Pelo Regulamento do Seminário nele não se leria curso de Filosofia (LIMA JR/CASTRO, 2006,p.161,nota10).
Em Portugal, os jesuítas eram responsáveis por ensinar Latim e Filosofia no Colégio de Artes, a escola preparatória obrigatória para ingresso nas faculdades da Universidade de Coimbra, e a única outra universidade existente em Portugal, a de Évora, era uma instituição jesuítica. E ainda, no império ultramarino português os jesuítas haviam sido a força dominante desde os inícios da expansão, contando de fato praticamente com o monopólio do ensino nas províncias ultramarinas lusitanas. No Brasil, quase toda a educação secundária se fazia nos colégios jesuítas (MAXWELL,1996,p.13)
Educação feminina
Apesar de não ser comum na época nem mesmo na Europa, o ensino para meninas foi objeto de cogitações do padre Manuel da Nóbrega. A iniciativa partiu, na realidade, de grupos dos próprios indígenas que lhe solicitaram escolas para as suas filhas também. Nóbrega recebeu bem o pedido e se mobilizou para conseguir interessar as autoridades neste sentido. Teve algum sucesso com o governador e autoridades já residentes em terras brasileiras, mas não conseguiu a mesma aceitação na metrópole.
Com a morte de d. João III em 1557 - tendo como herdeiro apenas seu neto, d. Sebastião, que contava apenas 3 anos de idade - ficou de início como regente a rainha viúva, Catarina de Áustria, irmã do imperador Carlos V. A Rainha, apesar de ser mulher, nem sequer respondeu às solicitações de Nóbrega a respeito da educação para as meninas. A idéia era demasiadamente nova, pois nem mesmo em Portugal existiam na ocasião escolas especificamente femininas.
Apenas em 1815 foi efetivada na cidade de Lisboa, a criação de escolas para o sexo feminino (TOBIAS,1986,p.45). Elas já haviam sido preconizadas por decreto de 31 de maio de 1790 da rainha D. Maria I, que criara lugares de mestras de meninas em Lisboa, só concretizados 25 anos depois (CARVALHO,1996,p.492).
Dotações régias para manutenção dos colégios
Em 1564 no reinado de d. Sebastião - em regência do Cardeal d. Henrique, seu tio-avô - baixou-se uma provisão mediante a qual a Companhia de Jesus deveria receber a redízima [nova dízima, paga por quem já pagara a dízima habitual] das rendas de El Rei na colônia brasílica para a manutenção do Colégio de Salvador na Bahia, para 60 religiosos da Companhia de Jesus e para a residência dos padres jesuítas nos aldeamentos indígenas da Bahia (MATTOS,1958,p.135, FERREIRA,1966,p.69 e LEITE,1993,p.33)
Em 15 de janeiro de 1565, outra provisão régia mandava fundar novo Colégio na Capitania de S. Vicente ou outro lugar ao sul, na mesma base que o da Bahia, só que para
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50 religiosos (LEITE,1993,p.33/4). Em 11 de fevereiro de 1568 assegurou-se a redízima das capitanias do sul da colônia para mantimento dos missionários na recém fundada cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro e, em 6 de janeiro de 1576, o mesmo ocorreu para a manutenção dos religiosos jesuítas da vila de Olinda. Em 1572 os colégios da Bahia e do Rio de Janeiro já possuíam quintas aprazíveis para os religiosos e seus alunos passarem férias e feriados semanais das quintas feiras. Os jesuítas tiveram um período de maior segurança financeira, estabilização das atividades realizadas e conforto pessoal. O primitivo ardor apostólico foi sendo substituído pela rotina, os estudos perderam o contato com as realidades imediatas e tornaram-se mais acadêmicos e especulativos (MATTOS,1958,p.135, 138/9 e 141)
A rotina escolar
As aulas do Colégio da Bahia de início duravam quatro horas diárias, divididas em dois turnos: matutino e vespertino, com 120 minutos de aula em cada período. A partir de 1578 acrescentou-se mais uma hora ao total de horas-aulas diárias, ficando as sessões matutinas e vespertinas com a duração de duas horas e meia cada, começando no verão às 8 horas da manhã, e no inverno às 9. (SILVA,1956,p.41)
O ano escolar se abria no início de fevereiro, com festa religiosa no dia 2, dia de N. Sra. da Purificação ou da Candelária, festa acadêmica no dia 3, dia de S. Brás, e aulas no dia 4; terminavam no dia de Santa Luzia (13 de dezembro) (LEITE,1993,p.54).
O método de ensino dos jesuítas baseou-se de início nas Constituições de 1556 e, a partir de 1599, na Ratio Studiorum. Compunha-se de cinco etapas bem definidas: 1) a Preleção – uma explicação do que o aluno deverá estudar, introduzindo o texto do ponto de vista gramatical, literário e histórico (LARROYO,1979,p.382 e FRANCA,1986,p.17). 2) a Contenda – em que se despertava o debate entre os alunos para destacar os pontos essenciais do texto, Praticava-se a emulação, tendo cada aluno um oponente com quem discutia os temas do ensino; 3) A Memorização – buscando a retenção dos pontos salientes da lição e desenvolver a memória dos alunos; 4) A Expressão – em que os alunos deveriam expressar suas idéias por escrito; no graus inferiores apenas fazendo traduções de uma língua para outra: português tupi, latim-português; e nos graus superiores compondo trechos literários. 5) Por fim a Imitação – em que se procurava adquirir o estilo literário dos grandes autores clássicos, não descuidando a própria criatividade nem da prática de nobres ações (LARROYO,1979,p.382).
O método expositivo era, portanto dominante, e a aprendizagem era reforçada através de recapitulações, sabatinas, disputas semanais e anuais. Também se usavam festas, teatro, música, recreio e tertúlias, pequenas agremiações literárias que serviam para desenvolver a criatividade e estimular o interesse dos alunos (TOBIAS,1986,p.71). Era uma
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didática bastante ativa, em que os alunos eram sempre solicitados a realizar leituras, debates, redações, e com freqüência interrogados sobre o tema em estudo. Havia distribuição de prêmios para aqueles que se sobressaíssem, mas, em contrapartida, seguia-se uma rígida disciplina, havendo inclusive punição física, aplicada quase sempre por um não jesuíta. A formação religiosa de cada aluno era também considerada fundamental.
Os jesuítas adotavam em seus colégios aspectos que eram característicos do modus parisiensis por terem vários de seus primeiros professores estudado em Paris. Eram principalmente quatro: 1) a divisão em classes dos estudantes da mesma disciplina, conforme a idade e o aproveitamento: maiores, provectiores, rudiores; 2) a proibição dos alunos freqüentarem arbitrariamente as aulas de vários professores; 3) as repetições, sem as quais eram quase inúteis as lições, os debates públicos; 4) o contato direto dos mestres com os alunos, para zelarem pela boa moralidade de sua conduta (NUNES,1980,p.55/6)
A educação jesuítica, afirma Tobias (1986,p.43/4), tanto dos padres quanto dos fiéis, sintetizava tudo de bom conseguido pela educação tradicional, porém na linha da educação literária de Isócrates, e da primeira educação cristã. Para Isócrates, diz ele, o início da educação física e intelectual estava no curso primário e o ensino médio era o lugar da educação literária, ministrada, sobretudo, através da leitura dos autores clássicos. O cristianismo em seu início optou por esta formação clássica que tocava de forma mais direta e profunda nos problemas da Filosofia, Teologia, Sagradas Escrituras e formação religiosa. Os jesuítas colheram esta tradição clássico-cristã passada por modernização, uma pedagógica aprendida sobretudo através da Universidade de Paris, e que depois, através da Universidade de Coimbra, veio formar a primeira educação cristã no Brasil.
Manifestações de preconceito
No ano de 1579 o superior geral dos jesuítas, Everardo Mercuriano, emitiu uma proibição quanto à recepção na Companhia dos nascidos na terra do Brasil. Isto provocou uma manifestação do visitador dos jesuítas no Brasil, Cristóvão de Gouveia, a 1o de novembro de 1584, expondo ao Padre Geral o trabalho profícuo dos filhos de portugueses (certamente com índias e, portanto, mamelucos) que, não só tinham mais disposição para o trabalho e sacrifício, como obtinham excelentes resultados no trabalho de evangelização e catequese por conhecerem melhor a língua dos indígenas. Também o provincial Pero Rodrigues confirmou, em carta de 9 de dezembro de 1594, os sentimentos de Gouveia, mas o novo superior geral, Cláudio Aquaviva, reforçou a proibição do padre Mercuriano de que nenhum nascido no Brasil pudesse ser admitido na Companhia (HOONAERT/AZZI, 1992,p.202/3).
E, apesar dos jesuítas catequizarem também os negros, no ano de 1688 o Colégio dos jesuítas em Salvador recusou a admissão de moços pardos, considerados demasiado
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irrequietos e numerosos. Nas Universidades de Coimbra e Évora todos podiam cursar, então os moços pardos recorreram ao rei e, a 9 de fevereiro de 1689, D. Pedro II, em carta datada de Lisboa, mandou admitir os moços pardos por se tratar de uma escola pública, mantida pela Coroa (através da redízima das rendas da Coroa, como visto) (LEITE, p.1993,p.52).
O preconceito racial continuou, porém, presente não só entre os jesuítas, mas em todo o reino. Em 1726 houve inclusive uma Ordenação régia vedando o exercício dos cargos municipais aos mulatos e aos brancos casados com mulheres de cor (OSÓRIO,1979,p.328).
Últimos colégios e o Noviciado na Bahia
Em 1701 os jesuítas construíram um outro Colégio, o de Nossa Senhora da Conceição, na rua do Maciel de Baixo (hoje unido ao solar do Ferrão), transferindo para este prédio, em 1757, o Seminário de Nossa Senhora da Conceição, criado pelo arcebispo d. José Botelho de Matos, para a formação de futuros padres (AMARAL,1921-22,p.271,nota 79).
A partir de fins do sec. XVII ocorreu no Brasil a criação de seminários eclesiásticos. A iniciativa pioneira coube ao jesuíta Alexandre de Gusmão (1629-1724), que no ano de 1686 fundou um Seminário em Belém da Cachoeira, com um espírito mais escolástico renovado do que o tridentino. Já no sec. XVIII outro jesuíta, Gabriel Malagrida (1689-1761) procurou ativamente implantar seminários segundo o modelo tridentino. Em sucessivos acordos com o bispo d. José Botelho de Matos, um seminário foi criado na Bahia e confiado à direção dos padres da Companhia de Jesus. Já funcionava desde 1747, provavelmente nas dependências do colégio dos jesuítas no Terreiro, tendo sido transferido para uma casa própria em 1756, com o nome de Seminário de N.Sra. da Conceição. A perseguição e expulsão dos jesuítas em 1759 terminou este projeto (HOONAERT/AZZI,1992,p.199e287).
E em 1704 se havia fundado, em Salvador, o Noviciado da Encarnação, dos padres jesuítas, localizado em São Joaquim, em terreno doado pelo sertanista Domingos Afonso Sertão. A primeira pedra da igreja foi lançada em 1709. E a 21 de agosto de 1724 concluiu-se o edifício do Noviciado. Em 1728 foi inaugurada a Igreja de São Joaquim, anexa ao Noviciado jesuíta. Seu teto foi pintado por José Teófilo de Jesus.
Com a expulsão jesuítica o conjunto passou a pertencer ao Estado e o governador Conde da Palma, d. Francisco de Assis Mascarenhas, com autorização de D. João VI, estabeleceu aí o Asilo de Órfãos dirigido por Joaquim Francisco do Livramento, conhecido por Irmão Joaquim. Este era natural de Santa Catarina e viera à Bahia em 1803, instituindo com esmolas o referido asilo, instalado de início nas casinhas da capela de S.José do
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Ribamar ou dos Bem Casados, doada ao mesmo órgão por carta régia do Príncipe Regente D.João de 24 de outubro de 1807. O colégio de órfãos estabeleceu-se definitivamente no prédio do Noviciado em 12 de outubro de 1825 (AMARAL;1921-22,p.412/3 e nota 131 p.413).
No século XVIII fundou-se uma Faculdade de Matemática no Colégio jesuíta da Bahia e verificava-se nele um aumento progressivo do número de alunos matriculados e freqüentes até 1755, quando se manifestou a má vontade do Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal, contra os jesuítas (FERREIRA,1966,p.137).
Nesta primeira metade do séc. XVIII a Companhia de Jesus se defrontou com a concorrência de uma outra Ordem religiosa cujos mestres, mais “modernos” foram criando ascendência na vida cultural portuguesa, sob a aberta proteção de d. João V: os Oratorianos.
Embora o sistema jesuítico fosse eficiente no controle da personalidade humana por doutrinação, seu desprezo pela educação primária e elementar (as escolas jesuíticas só aceitavam meninos a partir dos 10 anos de idade) ocorria numa época em que se acreditava que as atitudes da criança eram determinadas antes dos 7 anos de idade. Foi, portanto, muito criticado e considerado um elemento ultra conservador na evolução da educação moderna (EBY,1976,p.97)
Por todo o século XVIII vigoraram na Europa as novas idéias do enciclopedismo e do iluminismo, com tendências anticatólicas e antijesuíticas. Esta onda de forte laicismo do século das luzes repercutiu também no Brasil. Pombal, embebido das novas idéias sobre educação, quis reformar todo o ensino, laicizando-o, mas não conseguiu arranjar leigos suficientes para sequer manter a organização escolar criada aqui pelos jesuítas. A partir de finais do sec. XVIII uma série de leis, decretos e medidas foram pouco a pouco reduzindo todas as atividades dos religiosos em geral, chegando até à supressão de conventos e províncias (HOONAERT/ AZZI,1992,p.21/2), o que diminuiu grandemente as possibilidades de se obter pessoas com boa formação para se tornarem professores nos vários níveis de ensino.
O marquês de Pombal ordenara a expulsão dos jesuítas de Portugal em 1759. Em 1764 eles foram expulsos da França por ordem do Duque de Choiseul, e em 1767 da Espanha, por ordem do Conde de Aranda (PONCE,1995,p.123,nota 41).
O retorno dos jesuítas
Depois que sua ordem foi extinta por breve de Clemente XIV (papa de 1769-1774), de 21 de julho de 1773, os jesuítas se refugiaram em conventos de outras ordens religiosas em países que não os hostilizavam. Em 1801 o imperador da Rússia, Paulo I (1754-1801, reinou desde 1796), filho da déspota esclarecida Catarina II, solicitou permissão para que
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os jesuítas, espalhados pelo mundo, pudessem se congregar neste país, o que o papa Pio VII (beneditino, papa de 1800 a 1823) concedeu, pelo breve de 7 de março deste ano de 1801. Este mesmo papa, em 1814, tornou oficial o restabelecimento universal da Companhia de Jesus através da bula Solllicitudo Omnium Ecclesiarum, datada de 7 de agosto deste ano.
Em Portugal, no reinado absoluto de D. Miguel (que dera o golpe em 1828, fazendo voltar ao sistema absolutista, reinando até 1834), este também pediu autorização ao papa e, por decreto régio de 30 de agosto de 1832 voltou novamente a Companhia de Jesus a ter existência legal neste país, sem porém lhes ser restituído os bens, propriedades, isenções, privilégios e prerrogativas que anteriormente lhes houvessem pertencido, nem se lhes dá direito algum para pedirem a sua restituição. Reinstalados em Portugal, voltaram os jesuítas a reger o afamado Colégio das Artes de Coimbra (CARVALHO,1996,p.543/4).
No Brasil os jesuítas tornaram a se estabelecer no ano de 1845, em Santa Catarina, onde abriram um colégio. Em 1847, a pedido do Barão de Caxias, abriram uma escola de Latim em Porto Alegre que, além de seminaristas, recebia outros alunos. Em 1867 abriram o Colégio São Luiz Gonzaga em Itu, como internato. Em 1918 este colégio foi transferido para São Paulo. No mesmo ano de 1867 os jesuítas iniciaram o colégio São Francisco Xavier em Recife, Pernambuco, mas ele durou apenas até 1873, pois os inacianos apoiaram o bispo Dom Vital que se opusera ao imperador na questão religiosa e foram maltratados e expulsos. Em 1870 fundaram em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, o ginásio Nossa Senhora da Conceição, que foi em 1912 transformado em Seminário Provincial. No ano de 1886 fundaram o colégio Anchieta em Nova Friburgo como internato, que ficou famoso e até hoje existe, mas como externato. Em 1890 fundaram o Colégio Anchieta em Porto Alegre, em 1895 o Ginásio Gonzaga, em Pelotas e o colégio Sagrado Coração de Jesus na cidade do Rio Grande, que funcionou até 1911. No ano de 1903 foi a vez do colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro e, em 1905, o Colégio Catarinense, em Florianópolis. Só em 1911 é que jesuítas vindos de Portugal (que os expulsara novamente com o advento da república) criaram na Bahia a Província do Brasil Setentrional e fundaram o colégio Antonio Vieira em Salvador. Em 1917 foi a vez do colégio Nóbrega, em Recife. Mais tarde, em 1928, os inacianos criaram em São Paulo o colégio São Francisco Xavier (MOURA,2000,p.87,88/9,100/1,114).///
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