domingo, 18 de outubro de 2009

A Educação na Colônia e os Jesuítas: discutindo alguns mitos*

A Educação na Colônia e os Jesuítas: discutindo alguns mitos*
Luiz Carlos Villalta**
A história da educação na América Portuguesa, segundo o consenso dos
historiadores, pode ser dividida em duas fases: antes e depois da expulsão dos jesuítas
em 1759. Tal expulsão é um episódio das Reformas Ilustradas, promovidas pela Coroa
portuguesa a partir de 1750, e constitui o marco inicial das reformas educacionais
patrocinadas pelo Marquês de Pombal e continuadas após sua queda.
A partir desta divisão em dois períodos, a historiografia tem chegado a algumas
conclusões sobre os jesuítas e sobre as reformas educacionais, conclusões estas que, de
alguma forma, implicam apresentar os jesuítas como obscurantistas e, inversamente,
Pombal como um intrépido reformador, embora sublinhe-se o caráter despótico de sua
governação e se façam ressalvas ao governo de Dona Maria I.
Essas imagens, no entanto, parecem esconder uma complexidade e contradições
que não respeitam a dicotomia jesuítas-reformistas: isto é, nem os jesuítas foram
obscurantistas como se dizia, nem os Reformistas Ilustrados foram tão reformadores. O
propósito deste texto é levantar questionamentos sobre o suposto obscurantismo da
herança educacional jesuítica.
Os Inacianos, anti-cientificistas?
Até 1759, a Companhia de Jesus foi o principal agente da educação escolar,
possuindo vários colégios, voltados para a formação de clérigos e leigos, sendo o
colégio da Bahia o mais importante deles. Outras ordens religiosas também se
dedicaram à educação escolar na colônia, como as ordens dos beneditinos, dos
franciscanos e dos carmelitas, mas não alcançaram a projeção dos inacianos. Apenas os
oratorianos, instalados em Olinda e, depois, em Recife, em 1683, tiveram alguma
expressão1.
* Artigo publicado em: PRADO, Maria Lígia Coelho; VIDAL, Diana Gonçalves. (Org.). À Margem dos
500 Anos: reflexões irreverentes. São Paulo: Edusp, 2002, p. 171-184.
** Doutor e Mestre em História Social pela USP, professor adjunto do Departamento de História da
UFMG.
1 Fernando de Azevedo. A Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 6 ed. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ; Brasília: Editora UnB, 1996, p. 496; Laerte Ramos de Carvalho. "A Educação e
Seus Métodos". In: Sérgio Buarque de Hollanda [org.]. História Geral da Colonização Brasileira (I - A
Época Colonial). São Paulo: Difel, 1985, p. 76-87; e Riolando Azzi. "A Instituição Eclesiástica durante a
A partir de fins do século XVII, foram criados vários seminários, em várias
localidades da América Portuguesa, alguns deles episcopais, isto é, dependentes da
autoridade diocesana: em Belém da Cachoeira e em Salvador, na Bahia,
respectivamente, em 1686 e 1736; em Aquirás, no Ceará, em 1730; em Belém do Pará,
em 1749; em Caxias, no Maranhão, em 1749; em Guanare e Simbaida, em 1754; em
Mariana, em1750; em São Luís, em 1752; em São Paulo, em 1746; em Paranágua, em
1755; e na Paraíba, em 1745. Nesses seminários, a influência jesuítica também foi
marcante, sendo um exemplo o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, a primeira
instituição educacional mineira, criado em 1748, entregue pelo bispo Dom Frei Manuel
da Cruz aos cuidados do inaciano José Nogueira2.
A Companhia de Jesus desenvolveu uma prática educativa muito resistente à
mudança. Os colégios ofereciam o ensino das primeiras letras (doutrinação cristã,
contar, ler, escrever e falar português ou espanhol), ao qual se sucedia o plano de
estudos denominado Ratio Studiorum, abrangendo o correspondente aos atuais níveis
fundamental, médio e superior. Não eram, contudo, oferecidos todos os cursos
superiores: o ensino de Direito Canônico, Leis e Medicina pelos jesuítas foi proibido
por Inácio de Loyola, o fundador da ordem. Só em 1757 foi criada a Faculdade de
Matemática no colégio da Bahia. O Ratio Studiorum — que, grosso modo, ia das séries
finais do atual ensino fundamental até o nível superior — compunha-se por três cursos
sucessivos: Letras, Filosofia ou Artes e, finalmente, Teologia3.
Época Colonial". In: Eduardo Hoornaert; Riolando Azzi Klaus Van Der Grijp & Benno Brod. História da
Igreja no Brasil: Ensaio de Interpretação Histórica a partir do povo (Primeira Época), op. cit., p. 197-
200. Nem todos os historiadores concordam com a primazia dos jesuítas na educação. Segundo Carlos
Rizzini, o ensino jesuítico, dispendioso para o Estado (em 1585, a Coroa gastou 800 contos de réis para
manter as escolas jesuíticas), atingia um número ínfimo de alunos: cerca de 300, por volta de 1585; 1% na
segunda metade do século XVIII. Segundo Rizzini, na realidade, os “milhões de reinóis e de mazombos,
de brancos e mestiços [...] aprenderam com os presbíteros seculares, com os frades, com os mestres
leigos, cujo número de aulas gratuitas ou remuneradas de muito excedia a dos padres de Loiola” (Carlos
Rizzini. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, 1500-1822: com um breve estudo geral sobre a
informação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988, p. 205-207).
2 Riolando Azzi, loc. cit.; cônego Raymundo Trindade. Breve Notícia dos Seminários de Mariana.
Mariana: Arquidiocese de Marina, 1951, p. 12-20; e Maria Beatriz Nizza da Silva. “Cultura Implícita”.
In: Frédéric Mauro [coord.]. O Império Luso-Brasileiro - 1620-1750. Lisboa: Editorial Estampa, 1991, p.
384-394 e 452; e Maria Beatriz Nizza da Silva. Sociedade, instituições e cultura. In: Harold Johnson,
Maria Beatriz Nizza da Silva (coord.). Nova história da expansão portuguesa: o império brasileiro: 1500-
1620. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 305-546.
3 Rômulo de Carvalho. História do ensino em Portugal: desde a fundação da nacionalidade até o fim do
regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 332-384; Fernando de
Azevedo, op. cit., p. 497-504; M. D. Moreira D’Azevedo. “Instrução pública nos Tempos Coloniaes do
Brasil”. Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 2 (55): 141-153, 1892;
Antonio Alberto Banha de Andrade. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no Brasil. São
Paulo: Saraiva; Edusp, 1978, p. 3-5; e Serafim Leite. “O Curso de Filosofia e Tentativas para se criar a
Universidade do Brasil no Século XVII”. Verbvm, revista trimestral, Rio de Janeiro, 2 (5): 124-140,
jun./1948.
2
O curso de Letras, com duração estimada de dez anos, compunha-se pelo ensino
das disciplinas de Gramática, Humanidades e Retórica e de cursos complementares,
todos eles dedicados principalmente ao estudo da língua latina, aprendendo-se
simultaneamente, a partir da mesma, o grego. Os cursos complementares eram uma
mistura de conhecimentos de Cronologia, História e Geografia. O objetivo do curso de
Letras era permitir a aquisição de uma expressão oral e escrita, elegante e correta,
erudita, de eloqüência persuasiva na língua latina.
A metodologia do ensino em todas as disciplinas do curso de Letras era a
mesma. Exigia longa preparação do professor e grande esforço de memória dos alunos,
obrigados a decorar as aulas. As aulas principiavam pela leitura do passo do estudo pelo
professor no compêndio, ao que seguia uma exposição sobre o sentido do texto,
destacando-se suas ligações com o aprendizado anterior. O professor explicava frase por
frase, recorrendo a locuções mais compreensíveis, tanto da língua latina como da
portuguesa. Depois, retornava ao início do texto, fazendo observações compatíveis com
o nível da classe. Os textos eram explorados de modos diferentes nas três disciplinas: na
Gramática, retiravam-se dele exemplos das regras; na Humanidades, um conhecimento
mais profundo da língua; e na Retórica, ressaltava-se o estilo, o artifício e a beleza do
texto. Diariamente os alunos redigiam uma composição em Latim, que era a principal
atividade da aula. Eram também realizados concursos de trabalhos, sendo concedidos
prêmios aos melhores.
Ao curso de Letras sucedia o de Filosofia ou Artes, com duração de três anos e
sete meses. Do século XVI a meados do seguinte, o curso de Filosofia atendeu
basicamente a pessoas que desejavam ingressar na carreira eclesiástica, fosse na
Companhia de Jesus, fosse como clérigo secular. O curso de Filosofia compunha-se das
seguintes disciplinas: Dialética, Lógica, Física e Metafísica. Algumas noções
elementares de matemática eram abordadas na Lógica; conteúdos de física, astronomia e
cosmografia apareciam na Física; e, ainda, tópicos de biologia, na Metafísica. Todos
esses conteúdos mais propriamente científicos ficaram durante muito tempo só no plano
programático.
O Curso de Teologia era o de maior nível nos colégios jesuíticos. Normalmente
era acompanhado apenas pelos que desejavam abraçar ou que pertenciam ao estado
eclesiástico. Tinha a duração de quatro anos, compondo-se das disciplinas de Teologia
Escolástica, Sagrada Escritura, Hebreu, e outras línguas orientais, e a Casuística. Liamse
São Tomás de Aquino, na Teologia Escolástica; e a gramática de Francisco Távora,
3
no ensino de Escritura Sagrada4..
Uma atividade era característica da pedagogia escolar jesuítica em todos os seus
níveis: a disputa oral. Os alunos eram divididos em grupos, cabendo a cada um desses
interrogar aos demais sobre as matérias em estudo. Promovia-se a organização de
julgamentos em tribunais simulados, dividindo os grupos entre defensores e acusadores,
de modo a colocar em prova a capacidade de argumentação de cada um. Isso tudo era
estimulado pelos mestres para pôr em jogo as qualidades admiradas pelos jesuítas: a
argúcia, a sutileza, o espírito combativo e a tenacidade5.
A pedagogia escolar jesuítica, de um modo geral, possuía algumas
características básicas. Além de envolver estudos e métodos de ensino assentados
fundamentalmente na repetição e imitação dos textos clássicos, latinos e gregos; de ser
prisioneira da orientação religiosa, contrapondo-se, em parte, ao espírito científico
nascente, caracterizava-se por voltar-se para a elite, constituindo-se como um elemento
de distinção dessa mesma elite no interior da sociedade, um ornamento para as camadas
superiores da sociedade. A pedagogia jesuítica, ademais, foi quase impermeável às
especificidades da Colônia: a incorporação do ensino do Tupinambá foi a única
concessão que se fez à realidade americana. Essa rigidez, contudo, era um reflexo do
ideal universalizante que impregnava o ensino jesuítico e subjazia à ênfase dada à
língua latina, base de todos os estudos6.
Nos colégios jesuíticos e na Universidade de Coimbra, o autor fundamental era
Aristóteles. Esse e são Tomás de Aquino constituíam objeto de defesa cautelosa nos
colégios, tendo sido recomendado aos mestres, pelo Ratio Studiorum, que se evitasse
qualquer suspeita contra as doutrinas dos mesmos7. Vários de seus escritos foram lidos,
4 Rômulo de Carvalho, loc. cit. e Mario Alighiero Manacorda. História da Educação: da Antigüidade
aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989, p. 202-203.
5 Rômulo de Carvalho, loc. cit.; Mario Alighiero Manacorda, loc. cit.; e Joaquim Ferreira Gomes. Para
a História da Educação em Portugal. Porto: Porto Editora, 1995, p. 25-42.
6 Rômulo de Carvalho, loc. cit.; Joaquim Ferreira Gomes, loc. cit.; Luiz Felipe Baêta Neves. O combate
dos soldados de Cristo na Terra dos Papagaios: colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária, 1978, p. 142-153. É importante, assinalar, no entanto, que o imperativo de
evangelizar os índios e de impor-lhes a cultura portuguesa-européia, além de levar os jesuítas a
promoverem o ensino da língua geral, estimulou-os a incorporarem, na pedagogia não propriamente
escolar, elementos e práticas culturais indígenas julgadas não nocivas. Assim, o padre José de Anchieta
recorreu a “tudo o que fosse útil ou suscetível de exercer sugestão sobre o espírito do gentio –– o teatro, a
música, os cânticos e até as danças”, mesmo os de origem indígena (Fernando Azevedo, op. cit., p. 499).
Em seus inúmeros autos — peças teatrais escritas geralmente em português, castelhano e tupi, e
encenadas diante de índios, europeus e mamelucos —, Anchieta narra a história do Pecado, da Queda à
Salvação do homem, com a vinda de Jesus Cristo, chegando, ainda, até o final dos tempos, não se
furtando a usar elementos e práticas culturais indígenas, tais como danças, cantos e adereços (José de
Anchieta. Teatro de Anchieta. introd., trad. e notas de Armando Cardoso. São Paulo: Loyola, 1977).
7 Luiz Felipe Baêta Neves, op. cit., p. 145-147; Rômulo de Carvalho, op. cit., p. 344-345; e Serafim
Leite, op. cit., p. 134, jun./1948.
4
compostos, recompostos e reunidos por Manuel de Góis, Cosme de Magalhães, Baltazar
Álvares e Sebastião do Couto, a partir do que surgiu, ao final do século XVI, o Curso
Conimbricense, obra usada em Portugal e seus domínios, inclusive por colégios de
outras ordens religiosas, e também nos demais países europeus8. Na Universidade de
Coimbra, um axioma conformava o programa de todas as faculdades: “‘Que não se
apartem de Aristóteles em coisa alguma’”9.
A dialética de Aristóteles confundia-se com sua tópica e constituía a “base da
árvore dos saberes”, a fonte de todas as formas de conhecimento, da ciência e das artes
em geral, dominando o ensino nas escolas e na universidade. A tópica era um método de
raciocínio assentado numa lógica da argumentação cuja ordem era a seguinte: primeiro,
a proposição-problema, etapa inicial em que se apresentava uma proposição que, ao
mesmo tempo, se convertia em problema; num segundo momento, o dos tópicos, o
dialético pesquisava os pontos de vista sob os quais podiam ser analisados os
problemas; na etapa seguinte, dos argumentos / razões, aquele reunia os argumentos
encontrados na pesquisa favoráveis a uma ou outra solução; depois, na ponderação das
razões, o dialético avaliava as soluções; e, por fim, na última etapa, da solução mais
provável, optava-se pela solução mais provável10. No direito e na política, o uso da
tópica adquiriu traços pragmáticos, com o que se transformou numa técnica mediante a
qual se resolviam problemas em consonância com interesses políticos de um
determinado contexto11. A tópica, além disso, ensejou a formulação de repertórios de
mais diversa natureza (de tópicos jurídicos, históricos, gramaticais, literários e de
imagens), impressos ou manuscritos, de onde os letrados retiravam pontos de vista e
argumentos para construírem seus raciocínios. Com isso, a tópica, ao invés de estimular
a flexibilidade do raciocínio, “fixava ‘opiniões’, que de tanto usadas e consideradas, se
transformavam em dogmas inabaláveis”. Deixava, assim, como afirma Ângela Xavier,
de ser um ‘modo de discorrer sobre as coisas’, para ser um ‘modo de discorrer sobre os
discursos’12.
No próprio Curso Conimbrence, no entanto, havia passagens que contradiziam
São Tomás13 e, no Brasil, isso era percebido por mestres e discípulos ainda nos inícios
8, Rômulo de Carvalho, op. cit., p. 348-249 e 376-377.
9 Ângela Barreto Xavier. “El Rei aonde póde, & não aonde quér”: razões da política no Portugal
Seiscentista. Lisboa: Colibri, 1998, p. 102.
10 Ibidem, p. 84-87.
11 Ibidem, p. 86.
12 Ibidem, p. 89-92.
13 Rômulo de Carvalho, op. cit., p. 375-376.
5
do século XVII14. Além disso, se as idéias de Galileu Galilei, Descartes e Newton
tiveram ou um atraso notório na sua divulgação em Portugal, ou um desvirtuamento, ou
uma difusão por outras vias que não as originais15, elas se fizeram presentes em
território luso. Os jesuítas estiveram a par da revolução científica, conhecendo as novas
metodologias propostas, o método experimental nas Ciências da Natureza e as
descobertas astronômicas. A divulgação dessas novas idéias pelos inacianos, porém, foi
restrita. Alguns manuais usados nos colégios jesuíticos faziam apenas pequenas
concessões à modernidade, como o Cursus Philosophicus (1651), de Francisco Soares
Lusitano16, autor que defendia a tese da circulação do sangue — afirmando, neste
aspecto, preferir o que diziam os médicos ao que afirmava são Tomás — e que citava
nominalmente Harvey, seu contemporâneo, de quem tirara a prova experimental. Esse
livro, é importante frisar, deve ter sido de largo uso na América Portuguesa: à época da
expulsão dos jesuítas, havia 84 tomos no colégio do Rio de Janeiro17. No geral,
entretanto, os inacianos mantiveram todo este saber restrito ao seu uso privado, ao
consumo dos seus pares, nunca comunicando-o nas aulas, exceto aqui e ali, pela ousadia
de um ou outro mestre18.
Essa tolerância relativa dos jesuítas face a algumas inovações científicas
possivelmente ligava-se à influência que o probabilismo exerceu sobre eles. Doutrina
casuística cujo advento pode ser situado na segunda metade do século XVI19, o
probabilismo discorre sobre as situações particulares em que existe uma incerteza sobre
a aplicação de regras morais, estabelecendo que, nesses casos, para não errar, seria
suficiente seguir uma opinião provável, ainda que não fosse a mais recomendável em
termos de “estrita doutrina”20. Assim, ao pecador, para não ser faltoso, bastaria agir de
acordo com uma opinião plausível e que contasse com defensores respeitáveis, mesmo
que ela fosse menos provável que a opinião contrária21.
O probabilismo encontrou no jesuíta Francisco Suárez e no dominicano Medina
seus iniciadores, sendo associado freqüentemente aos jesuítas e atacado duramente por
14 Serafim Leite, op. cit., p. 124-140.
15 Francisco Contente Domingues. Ilustração e catolicismo: Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições
Colibri, 1994, p. 40.
16 Rômulo de Carvalho, op. cit., p. 376-377.
17 Serafim Leite, op. cit., op. cit., p. 139-142.
18 Rômulo de Carvalho, loc. cit. e p. 386.
19 Jean Delumeau. A confissão e o perdão. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 99.
20 José Carlos Chiaramonte. Ciudades, provincias, estados: orígenes de la nación Argentina – 1800-
1846. Buenos Aires: Ariel Historia, 1997, p. 33.
21 Jean Delumeau, op. cit., p. 97-117 e Ângela Mendes de Almeida. O gosto do pecado: casamento e
sexualidade nos manuais de confessores dos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 19-30.
6
religiosos de outras ordens – e também por políticos que se opunham aos inacianos. Os
probabilioristas, adversários do probabilismo, julgavam que entre duas opiniões, uma
menos provável e segura e outra mais provável e mais segura, a escolha deveria recair
sobre a última; por isto, os probabilioristas viam o probabilismo como sinônimo de
laxismo, de moral relaxada, considerando-o um incentivo para condutas não condizentes
com os critérios morais da igreja22. Se “o probabilismo constituiu a infra-estrutura
intelectual do laxismo”, contribuiu para “modelar uma moral mais bem adaptada que a
do passado à ascensão da civilização ocidental”, na medida em que sublinhava “o
respeito devido às consciências e a necessidade de limitar a esfera da obrigação para
proteger a da liberdade”23. A estratégia probabilista expressava um “espírito pluralista e
não concludente” em relação aos “fenômenos observados ou experimentados”24. Isto
reforça a idéia de que é um equívoco adjetivar os jesuítas e o panorama intelectual
português anterior às Reformas Pombalinas simplesmente como “atrasados”.
A “liberdade” e o “pluralismo” consagrados pelo probabilismo parecem ter sido
exercitados pelos jesuítas em relação ao heliocentrismo de Copérnico e Galileu. Assim,
o padre Cristóvão Bruno, professor de esfera no Colégio de Santo Antão, por volta de
1625, divulgava a teoria heliocêntrica, mas a refutava em vários pontos25. Num
momento primeiro da divulgação do heliocentrismo de Copérnico, os jesuítas revelaram
uma certa indiferença, não atribuindo importância aos riscos doutrinários que lhe eram
inerentes, pois ele se assentava unicamente em razões matemáticas e metafísicas, e o
probabilismo lhes permitia, no caso de se defrontarem com duas hipóteses contrárias,
acomodar-se àquela que mais atendesse às suas necessidades26. Quando Galileu
comprovou a citada teoria com a luneta, porém, os jesuítas mudaram de posição, vindo
a rejeitá-la de modos diferentes: alguns passaram a considerar dispensáveis as idéias de
Copérnico e Galileu; outros, as repudiaram como falsas; e, por fim, o já mencionado
padre Cristóvão Bruno e o padre Antônio Vieira procuraram conciliar a escolástica às
novas descobertas. O primeiro condenava o sistema de Ptolomeu, mas ao mesmo tempo,
em conformidade com a física aristotélica, discordava da existência de um movimento
22 José Carlos Chiaramonte, loc. cit. e Jean Delumeau, op. cit., p. 115.
23 Jean Delumeau, op. cit., p. 108.
24 Richard M. Morse. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas. Trad. Paulo Neves. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 35.
25 Luís Albuquerque de. Para a história da ciência em Portugal. Lisboa: Horizonte, 1973, p. 140. Bruno
discorria sobre o assunto em audiências públicas, não apenas diante de membros da Companhia. Revelava
em Portugal as descobertas astronômicas de Galileu, mesmo tendo travado com este uma disputa para
descobrir um processo seguro para determinar a longitude no alto mar (Francisco Contente Domingues,
op. cit., p. 35).
26 Luís Albuquerque de, op. cit., p. 122-125.
7
de rotação por parte da Terra, como postulava Galileu, concluindo que as teorias
heliocêntrica e de Ptolomeu davam conta das aparências observadas no céu, mas não
eram uma representação real do Universo; e Vieira, que teve contato com as novas
idéias ainda no Brasil, de modo similar mostrava desinteresse em avaliar “‘se o Sol se
move, ou nós’”, pois “‘tudo acaba’”, não importando o ângulo sob o qual
examinássemos os fatos27. Num e noutro raciocínio, enfim, as verdades celestes –
respectivamente, representação real do Universo e finitude da matéria – mantinham-se
incólumes e amorteciam o impacto das novas descobertas. Por fim, demonstrando a
existência de aberturas entre os jesuítas às novas idéias científicas, tentou-se, no Colégio
das Artes de Coimbra, em 1712, enveredar pelos novos caminhos das ciências,
introduzindo-se alterações nos seus estatutos, iniciativa esta abortada por D. João V. Em
1746, ao tempo do mesmo monarca, no referido colégio, proibiu-se o recurso às lições
de Descartes, Gassendi e Newton28.
Os jesuítas e o poder político: a serviço do absolutismo?
O ensino jesuítico, além de associar-se à tópica aristotélica, era um dos baluartes
das concepções corporativas de poder da Segunda Escolástica. Tais teorias
predominaram até meados do século XVII e tiveram bastante força até o século XVIII,
quando ainda impregnavam a doutrinação política, constituindo-se como as premissas
do pensamento político luso-brasileiro e hispano-americano. Nos domínios portugueses
especificamente, nem as reformas pombalinas, nem a expulsão dos jesuítas lograram
eliminá-las, com o que elas sobreviveram até o período da Independência29.
Tais concepções, derivadas em parte da reinterpretação dos escritos de São
27 Ibidem, p. 135 e 140-141. O mesmo Padre Antônio Vieira, ainda em 1675, demonstrando seu interesse
e atualização em matéria de ciência, teceu comentários sobre o livro “História Natural de Pernambuco”,
“com as estampas dos animais, peixes e plantas” — na realidade, História Natural do Brasil, de Jorge
Marcgrave e Guilherme Piso, publicado em 1648 na Holanda (Carlos Alberto Lombardi Filgueiras.
Origens da ciência no Brasil. Química Nova, São Paulo, 13 (3): 224, 1990). Tomou como seu autor um
“médico holandês” e lamentou ver divulgadas as riquezas do Brasil: “por sinal que me pesou muito de ver
tão público um secreto que podia acrescentar a cobiça daquelas terras que nós tão pouco sabemos
estimar” (Padre Antônio Vieira Cartas. Lisboa: Editores J. M. C. Seabra & T. Q. Antunes, 1854-5, tom.
4, p. 47). Marcgrave, como um sinal dos tempos, reproduziu o topos edênico que consagrava a grande
longevidade dos brasis (Sérgio Buarque de Hollanda. Visão do paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. 3 ed. São Paulo: Ed. Nacional: Secretaria de Cultura, Ciência e
Tecnologia, 1977, p. 249).
28 Rômulo de Carvalho, op. cit., p. 389.
29 Jorge Borges de Macedo. Formas e Premissas do Pensamento Luso-Brasileiro, Revista da Biblioteca
Nacional, Lisboa, 1(1): 76-7, jan./jun. 1981; Richard M. Morse, op. cit., p. 64 e 92-93; e Luís Reis
Torgal. Ideologia política e teoria do estado na restauração. Coimbra: Biblioteca da Universidade,
1982,, vol. 1, p. 127 e 132-133.
8
Tomás, repudiavam o maquiavelismo e as heresias luteranas30, sendo encontradas em
obras de autores como o cardeal italiano Roberto Belarmino (1542-1621), o holandês
Becanus (1563-1624) e, entre os espanhóis, o jurista Azpilcueta Navarro (1592-1586),
os dominicanos Francisco de Vitoria (1485-1546) e Domingo de Soto (1595-1560), os
jesuítas Luís de Molina (1536-1600), Francisco Suárez (1548-1617) e Juan de Mariana
(1536-1624). Em Portugal, os grandes nomes da cultura escolástica espanhola chegaram
mesmo a lecionar: Molina, em Évora; Navarro, em Coimbra; e Suárez, na mesma
cidade, onde ocupou uma cátedra a partir do fim do século XVI31.
Para São Tomás, a esfera humana circunscrever-se-ia na esfera divina, sendo
Deus a fonte primeira do direito e do Estado. O Estado, porém, surgiria de um “pacto
social”, através do qual o povo, enquanto comunidade, detendo o poder derivado de
Deus, buscaria realizar o “bem comum”, definido em consonância com os fins eternos
do homem, fins estes que, por sua vez, pertenceriam à jurisdição da igreja. Deste modo,
em última instância, o Estado teria como fim o bem comum, tornando-se ilegítimo se o
esquecesse, violando o direito natural e, com isto, o divino. Nestes casos, nas situações
em que existisse tirania, São Tomás admitia o direito do “povo”, da comunidade, de
resistir ativamente, mas não o tiranicídio32. Vitoria, Suárez e Bellarmino circunscreviam
a realidade humana na divina, mas, ao mesmo tempo, consideravam distintas as esferas
de atuação eclesiástica e secular, dando-lhes uma especificidade e, ainda, concluindo
disto que o papa não teria um poder coercitivo direto sobre as repúblicas33. Suárez
considerava que o poder político é legítimo, procede de Deus e recai diretamente na
natureza humana, não transitando diretamente do Criador para o governante. O Estado
seria, assim, um “corpo místico” — isto é, pactum subjectionis, “unidade de uma
vontade coletiva que se aliena do poder e o transfere para a ‘pessoa mística’ do Rei, que
se torna a ‘cabeça’ do corpo político do Estado subordinado, submetido ou súdito”34 —,
exigindo a articulação das diversas forças existentes. O papa constituiria a única
entidade que representa Deus e o seu poder espiritual; os assuntos espirituais
pertenceriam ao papa, que poderia mandar, coagir e castigar clérigos e leigos em
30 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 197; Richard M. Morse, op. cit., p. 42 e 47; e Quentin Skinner. As
fundações do pensamento político moderno. Trad. de Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 417 e 450-451.
31 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 110, 188, 191 e 197.
32 Ibidem, vol. 2, p. 6-8.
33 Quentin Skinner, op. cit., p. 451.
34 João Adolfo Hansen. Teatro da memória: monumento barroco e retórica. Revista do IFAC, Ouro Preto,
(2): 44, dez. 1995.
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matérias eclesiásticas35, tendo o poder temporal, neste campo especificamente, que se
sujeitar ao espiritual36.
Aspecto crucial a ser considerado nas teorias de poder dos tomistas é a
existência de perspectivas democráticas, avant la lettre, convivendo com opiniões
favoráveis ao absolutismo37. Os teóricos tomistas, por um lado, abraçavam uma
perspectiva contratualista para explicar a origem da instituição do poder político,
chegando por isto a admitir, em certos casos, a insurgência do povo-comunidade contra
seus soberanos – por defenderem esses princípios, os neotomistas foram vistos como
fundadores do constitucionalismo e da democracia moderna. O jurista Azpilcueta
Navarro, quanto à origem do poder, desse modo, partia da distinção entre o poder in
actu e o poder in habitu: o rei deteria o poder in actu, mas o povo-comunidade
continuaria a deter este ‘habitualmente’, isto é, potencialmente, mesmo após o ‘pacto de
sujeição’. “Por isso no caso de manifesta tirania régia o poder político pode ser
assumido pelo povo”38. Suárez e Belarmino são tributários dessa teoria de Azpilcueta
Navarro: para ambos, o poder pertenceria naturalmente ao povo-comunidade, que o
transmitiria ao governante de uma forma que ele não deixaria de existir em si; o povo
conservaria o poder in habitu, podendo readquiri-lo em certas circunstâncias definidas
com clareza nos documentos e nos costumes. Porém, isso não significava que, para
Suárez, o rei estaria sujeito ao povo-comunidade no exercício do poder: no que se refere
ao exercício do poder, o pensador espanhol fazia uma defesa do absolutismo. O rei teria
recebido o poder de maneira “‘plena e absoluta’”, sendo assim independente39. O ato de
um povo livre de instituir um governante não seria apenas um “ato de transferência, mas
também de ab-rogação de sua soberania original”40.
A retomada do poder do rei pelo povo, contudo, era admitida tanto por Suárez,
quanto por Soto, Azpilcueta Navarro, Bellarmino, Mariana e Molina, nos casos em que
o rei viesse a se tornar tirânico ou herético (deixando de ser católico), contrariando o
direito natural e divino, desrespeitando determinados fundamentos ético-religiosos41.
Para Suárez, uma república tinha o direito de resistir a seu príncipe, podendo até mesmo
matá-lo, se não houvesse outro meio para se preservar; porém, quando a sua existência
35 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 2, p. 18.
36 Ibidem, vol. 2, p. 19.
37 Quentin Skinner, op. cit., p. 450 e 454.
38 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 245.
39 Ibidem, vol. 2, p. 17.
40 Quentin Skinner, op. cit., p. 459-460.
41 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 191 e 270; e Jorge Borges de Macedo, op. cit., p. 76.
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não estivesse ameaçada, deveria sofrer em silêncio42. Para depor um rei
apropriadamente, seria necessário fazer uma assembléia representativa de toda a
república, deliberando-se sobre uma linha de ação e ouvindo-se os cidadãos mais
ilustres43. O jesuíta Juan de Mariana foi mais longe, defendendo o controle eclesiástico
sobre os reis e o regicídio: afirmou que um rei poderia ser assassinado em certas
circunstâncias, quando abusasse do seu poder44. Outros jesuítas, posteriores a Mariana,
insistiram na tese do direito de resistência da comunidade: o alemão Hermann
Busembaum (1600-1688) e Cláudio Lacroix (1652-1714)45. Portanto, conforme assinala
Luís Reis Torgal, os tomistas postulavam “a origem ‘popular’ do poder régio, que o
‘povo’ poderia, com a aquiescência papal, depor o rei herético, e defendiam, em certas
condições, até mesmo a legitimidade do regicídio”46. E exatamente neste ponto residia a
objeção que faziam a Maquiavel: não se tratava de uma repulsa ao absolutismo, mas de
oposição à ameaça de tirania. O Estado era concebido, enfim, pelos neotomistas como
“um todo ordenado em que as vontades da coletividade e do príncipe se harmonizam à
luz da lei natural e no interesse da felicitas civitatis ou bem comum”47. Esta concepção,
embora não fosse refratária ao absolutismo, impunha-lhe limites: fazer o bem comum e
a justiça, seguindo a religião católica e obedecendo à lei natural (e, por conseguinte, à
divina).
Em conclusão: o obscurantismo jesuítico é um mito?
Analisando a pedagogia jesuítica, bem como a teoria política por eles forjada,
vê-se que não se pode classificá-los de modo taxativo como obscurantistas. Se o edifício
pedagógico que erigiram, por um lado, caracterizava-se pela oposição ao espírito
científico emergente, apegando-se à repetição e à autoridade dos escritos de Aristóteles
e São Tomás, refutando o experimentalismo, e, ainda, com sua orientação universalista
não fazia concessões às especificidades coloniais, à exceção do ensino da língua geral,
por outro lado, não se encontrava alheio às descobertas científicas e permitia, graças ao
42 Quentin Skinner, op. cit., p. 452-453.
43 Ibidem, p. 453.
44 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 192; Tiago Costa Pinto dos Reis Miranda. “Ervas de Ruim
Qualidade”: a expulsão da Companhia de Jesus e a aliança anglo-portuguesa: 1750-1763. São Paulo:
FFLCH-USP, 1991, p. 256-257 (Dissertação de Mestrado); e Sérgio Buarque de Holanda. Capítulos de
literatura colonial. Org. e notas de Antônio Cândido. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 447-448.
45 Tiago Costa Pinto dos Reis Miranda, op. cit., p. 257.
46 Luís Reis Torgal, op. cit., vol. 1, p. 190-191 e 196.
47 Richard M. Morse, op. cit., p. 58.
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probabilismo, um certo plurarismo na compreensão dos fenômenos observados ou
experimentados. Além disso, as teorias corporativas de poder que tiveram nos jesuítas
seus principais artífices e propagadores, se não hostilizavam o absolutismo nem
refutavam a origem divina do poder régio, longe de estabelecerem uma transmissão
direta do poder de Deus ao Rei, concebiam a mediação da comunidade, delegando-se a
essa o direito de rebelar-se caso o poder se tornasse tirânico.
A complexidade da pedagogia jesuítica, não redutível a uma classificação que a
tome como obscurantista, enfim, tem apoio em um de seus principais detratores: o
ilustrado português Luís Antônio Verney, autor do livro Verdadeiro Método de Estudar
(1746), dentre outros livros. Crítico feroz dos métodos de ensino jesuíticos, por ele
julgados obscurantistas, autoritários, livrescos, pedantes, pouco práticos, reprovando os
castigos corporais e alguns livros em que se fiavam, Verney propunha um novo método
de estudar. Esse novo método baseava-se no uso moderado do silogismo, não apelava a
uma autoridade única, quer fosse de Aristóteles ou de outro pensador, preconizava o
emprego da observação e da experimentação, propugnava a prioridade do ensino da
língua portuguesa, bem como defendia o ensino das línguas francesa e italiana,
rompendo com a primazia do latim48. Verney, entretanto, recomendava o uso das cartas
do padre jesuíta Antônio Vieira no ensino da gramática portuguesa49. Esse
reconhecimento de Verney, homem empenhado em instituir uma nova pedagogia que se
opunha aos jesuítas, feito em pleno embate com esses seus adversários, indica que não
se pode, nos dias de hoje, insistir numa visão preconceituosa contra os inacianos.
Pode-se, ademais, dizer que o obscurantismo colado nos jesuítas sobreviveu à
ruína do sistema de ensino que construíram. O Real Colégio dos Nobres, instituição
escolar criada pelo Marquês de Pombal em 1761, inscrevendo-se no elenco de medidas
reformistas desenvolvidas pela Coroa no campo do ensino, ao que parece, não escapou
daqueles “vícios” imputados aos jesuítas. A Gazeta de Lisboa de 28 de julho de 1787, já
no reinado de Dona Maria I, como toda a publicação sujeita à censura e, nessas
condições, expressando uma visão oficial, narra a realização de um exame público de
Retórica e Poesia no Colégio dos Nobres, a qual compareceu a Rainha e uma “luzida”
assistência. Os estudantes Hermanus José Braancamp Castelo-branco e Jacinto da Costa
Cabral Vasconcelos Coutinho concorreram, tendo o primeiro recitado uma “eloqüente
Oração Latina”, fazendo-o “com grande propriedade, dando provas de uma memória
48 Luís Antônio Verney. Verdadeiro método de estudar. 3 ed. Porto: Domingos Barreira, [s/d].
49 Ibidem, p. 66 e 203-204.
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prodigiosa”; ambos, ainda, recitando “de memória as passagens dos Autores Latinos e
Portugueses, em prosa e em verso, com notável exatidão” (itálicos meus)50. A
memorização e a repetição de passagens de escritos de autores latinos, como se vê, além
de permanecerem, eram cultuadas e admiradas, em plena “menina dos olhos” do
Reformismo Ilustrado português! A novidade está na valorização dos autores
portugueses. Essa permanência, se não é motivo para que os jesuítas sejam louvados,
mostra que a complexidade da situação do ensino no período colonial certamente vale
também para o período posterior à expulsão dos jesuítas.
50 Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (IANTT). Real Mesa Censória, “Gazeta de
Lisboa”, 28 de julho de 1787, no. 30.
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